António Filipe e a Mordaça Constitucional: A República que Nega a Democracia

A recente entrevista do candidato presidencial António Filipe à SIC Notícias, na sua condição de "orgulhosamente de esquerda sem mas nem meio mas", expôs de modo lapidar as mais profundas contradições e fragilidades do regime republicano. O candidato, antigo deputado comunista, apresenta-se como o "último reduto" e "guardião último do regime democrático", em defesa dos ideais de Abril e da Constituição. A nobreza da intenção, contudo, é tragada pela fatalidade da sua escolha institucional: o ideário progressista de igualdade e justiça social que almeja jamais poderá ser plenamente concretizado sob a tutela de uma República viciada. O que o discurso do candidato expõe, involuntariamente, não é a força da República, mas a sua endémica debilidade.
António Filipe baseia a sua candidatura na necessidade de um Presidente da República que use os seus poderes para a "vigilância" e a "salvaguarda do funcionamento das instituições democráticas," vetando acções que considere regressivas. Aqui reside o erro fundamental de diagnóstico. A figura do Presidente eleito, por mais bem-intencionado, é um guardião de facto efémero e, por definição, partidário. Ao assumir-se como "orgulhosamente de esquerda," António Filipe consagra a politização do cargo. O seu "guardião" tem um lado, e a sua direcção é ideológica. Como poderá um chefe de Estado eleito por uma minoria ou coligação ser o símbolo imparcial da Nação inteira? A sua autoridade moral é limitada pelo mandato e pela sua génese facciosa. Mais grave ainda é o facto de, ao ser eleito para um mandato de cinco anos, o Presidente ser, por natureza, transitório. O "último reduto" é apenas uma trincheira temporária que, inevitávelmente, será entregue ao próximo vencedor eleitoral. A História de Portugal republicano é uma successão de ciclos viciosos, onde a ideologia no poder desfaz o que a anterior fizera.
A Monarquia Hereditária resolve esta contradicção. O Rei não é eleito; a sua lealdade não é para com um partido ou uma facção, mas para com a Nação e a sua História. O Monarca, pela sua permanência e supra-partidarismo, é o único capaz de exercer uma verdadeira e incondicional vigilância sobre o Estado. A sua funcão não é a de um jogador, mas a de um árbitro imparcial, um verdadeiro "guardião" que não tem de se sujeitar aos cábulas eleitorais para sobreviver. A sua coroa é o símbolo da Continuidade Nacional, o único facto que transcende os governos.
Além disso, o candidato António Filipe assume a defesa da Constituição de Abril como o seu projecto maior. É neste ponto que a sua tese esbarra na tradição e na continuidade histórica portuguesa, e mais especificamente, na própria ilegitimidade imposta pelo actual regime. É crucial notar que a Constituição de 1976 não apenas consagra a República, como a blinda contra o que pode ser a vontade popular. O Artigo 288.º, alínea b), impede taxativamente que as leis de revisão constitucional alterem a forma republicana de governo. Esta limite material não só proíbe a restauração da Monarquia por via de revisão constitucional, como impede que o povo português seja consultado em referendo sobre a forma de Estado. Ou seja, o regime que António Filipe defende é o mesmo que nega aos cidadãos o direito democrático fundamental de escolherem, livremente, a chefia do seu Estado. Esta é a maior contradição da República, a negação da democracia em nome da sua própria permanência.
Assim, a Monarquia não é a negação dos valores sociais que a esquerda defende, mas o seu corolário mais estável. Os direitos e deveres sociais evoluíram sob séculos de realeza. Na República, a igualdade é uma promessa eleitoral constantemente adiada; na Monarquia, a igualdade perante a Lei é uma garantia histórica assegurada por um Chefe de Estado que, não dependendo de votos, não tem de ceder a interesses oligárquicos ou plutocráticos. A justiça social defendida por António Filipe exige estabilidade e direcção consistente. Ora, a República, com a sua instabilidade governativa e a permanente tensão eleitoral, consome a energia do País em contendas fúteis. O Monarca, pela sua estabilidade dinástica, liberta os governos (escolhidos no Parlamento) da necessidade de luta constante, permitindo-lhes focar-se, de facto, no bem-estar do Povo.
Em suma, a candidatura de António Filipe, ao invés de reforçar a República, sublinha a sua falência e a sua ilegitimidade na origem. O candidato procura salvar uma casa em ruínas com o seu próprio esforço ideológico, sem poder sequer questionar a estrutura fundamental dessa casa. Os valores que defende – o respeito pela Lei e a defesa dos mais fracos – seriam melhor servidos por um regime que eleva a chefia de Estado acima do pântano partidário e que permite a livre escolha do povo. Esse regime é a Monarquia.




Questionado sobre se um regime presidencialista serviria melhor os interesses nacionais, Marques Mendes rejeitou tal possibilidade e aproveitou para dirigir-se directamente aos portugueses monárquicos que estivessem a assistir, garantindo que, se for eleito Presidente da República, representará todos os cidadãos — republicanos e monárquicos — com gosto na diferença e no respeito pela diversidade. À primeira vista, esta declaração soa equilibrada e conciliatória, contrastando claramente com o tom jocoso e ofensivo de Gouveia e Melo. No entanto, a análise atenta mostra que, embora mais polida, a resposta de Marques Mendes continua a encarar a questão monárquica como uma mera excentricidade, um gosto diferente que deve ser tolerado, e não como uma visão política e institucional legítima que pertence ao debate democrático português.


