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Risco Contínuo

Estrada dos bravos, blog dos livres

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António Filipe e a Mordaça Constitucional: A República que Nega a Democracia

José Aníbal Marinho Gomes, 17.11.25

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A recente entrevista do candidato presidencial António Filipe à SIC Notícias, na sua condição de "orgulhosamente de esquerda sem mas nem meio mas", expôs de modo lapidar as mais profundas contradições e fragilidades do regime republicano. O candidato, antigo deputado comunista, apresenta-se como o "último reduto" e "guardião último do regime democrático", em defesa dos ideais de Abril e da Constituição. A nobreza da intenção, contudo, é tragada pela fatalidade da sua escolha institucional: o ideário progressista de igualdade e justiça social que almeja jamais poderá ser plenamente concretizado sob a tutela de uma República viciada. O que o discurso do candidato expõe, involuntariamente, não é a força da República, mas a sua endémica debilidade.

António Filipe baseia a sua candidatura na necessidade de um Presidente da República que use os seus poderes para a "vigilância" e a "salvaguarda do funcionamento das instituições democráticas," vetando acções que considere regressivas. Aqui reside o erro fundamental de diagnóstico. A figura do Presidente eleito, por mais bem-intencionado, é um guardião de facto efémero e, por definição, partidário. Ao assumir-se como "orgulhosamente de esquerda," António Filipe consagra a politização do cargo. O seu "guardião" tem um lado, e a sua direcção é ideológica. Como poderá um chefe de Estado eleito por uma minoria ou coligação ser o símbolo imparcial da Nação inteira? A sua autoridade moral é limitada pelo mandato e pela sua génese facciosa. Mais grave ainda é o facto de, ao ser eleito para um mandato de cinco anos, o Presidente ser, por natureza, transitório. O "último reduto" é apenas uma trincheira temporária que, inevitávelmente, será entregue ao próximo vencedor eleitoral. A História de Portugal republicano é uma successão de ciclos viciosos, onde a ideologia no poder desfaz o que a anterior fizera.

A Monarquia Hereditária resolve esta contradicção. O Rei não é eleito; a sua lealdade não é para com um partido ou uma facção, mas para com a Nação e a sua História. O Monarca, pela sua permanência e supra-partidarismo, é o único capaz de exercer uma verdadeira e incondicional vigilância sobre o Estado. A sua funcão não é a de um jogador, mas a de um árbitro imparcial, um verdadeiro "guardião" que não tem de se sujeitar aos cábulas eleitorais para sobreviver. A sua coroa é o símbolo da Continuidade Nacional, o único facto que transcende os governos.

Além disso, o candidato António Filipe assume a defesa da Constituição de Abril como o seu projecto maior. É neste ponto que a sua tese esbarra na tradição e na continuidade histórica portuguesa, e mais especificamente, na própria ilegitimidade imposta pelo actual regime. É crucial notar que a Constituição de 1976 não apenas consagra a República, como a blinda contra o que pode ser a vontade popular. O Artigo 288.º, alínea b), impede taxativamente que as leis de revisão constitucional alterem a forma republicana de governo. Esta limite material não só proíbe a restauração da Monarquia por via de revisão constitucional, como impede que o povo português seja consultado em referendo sobre a forma de Estado. Ou seja, o regime que António Filipe defende é o mesmo que nega aos cidadãos o direito democrático fundamental de escolherem, livremente, a chefia do seu Estado. Esta é a maior contradição da República, a negação da democracia em nome da sua própria permanência.

Assim, a Monarquia não é a negação dos valores sociais que a esquerda defende, mas o seu corolário mais estável. Os direitos e deveres sociais evoluíram sob séculos de realeza. Na República, a igualdade é uma promessa eleitoral constantemente adiada; na Monarquia, a igualdade perante a Lei é uma garantia histórica assegurada por um Chefe de Estado que, não dependendo de votos, não tem de ceder a interesses oligárquicos ou plutocráticos. A justiça social defendida por António Filipe exige estabilidade e direcção consistente. Ora, a República, com a sua instabilidade governativa e a permanente tensão eleitoral, consome a energia do País em contendas fúteis. O Monarca, pela sua estabilidade dinástica, liberta os governos (escolhidos no Parlamento) da necessidade de luta constante, permitindo-lhes focar-se, de facto, no bem-estar do Povo.

Em suma, a candidatura de António Filipe, ao invés de reforçar a República, sublinha a sua falência e a sua ilegitimidade na origem. O candidato procura salvar uma casa em ruínas com o seu próprio esforço ideológico, sem poder sequer questionar a estrutura fundamental dessa casa. Os valores que defende – o respeito pela Lei e a defesa dos mais fracos – seriam melhor servidos por um regime que eleva a chefia de Estado acima do pântano partidário e que permite a livre escolha do povo. Esse regime é a Monarquia.

A Contradição de Belém: Catarina Martins e o Mito da Neutralidade

José Aníbal Marinho Gomes, 16.11.25

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A entrevista de Catarina Martins à SIC-Notícias foi uma demonstração acabada daquilo que a República produz no seu estado mais pobre: um Chefe de Estado visto como agitador político, um presidente-activista ao serviço de uma facção ideológica.

Catarina Martins apresentou a sua candidatura repetindo que “é pessoal” e que quer “convergências”, “lugar para toda a gente”, “ponte entre caminhos políticos diferentes”. Mas não pode exigir que se acredite nessa narrativa quando continua eurodeputada do Bloco de Esquerda, com direito a todas as prerrogativas partidárias, orçamento, visibilidade institucional e máquina propagandística do partido. Não abdica de nada — apenas quer acumular tudo.

Faz carreira partidária de manhã em Bruxelas e promete neutralidade à noite na televisão. Esses dois planos não convivem. Só coexistem como contradição. O país conhece-a demasiado bem como militante bloquista — e ela sabe isso. Por isso insiste na ficção: repetir que algo é pessoal nunca fará desse algo independente.

Quando questionada sobre a luta política à esquerda, Catarina Martins volta a colocar-se como a porta-voz legítima do campo progressista: os outros “fazem jogos tácticos”, “desistem do país”, “deixam crescer a extrema-direita”. Ela, não. Ela é a “decência”, a “coragem”, a “democracia”. Quando uma candidata se veste de moral absoluta, está a dividir — mesmo quando proclama união.

E é aqui que a sua visão republicana se revela infantil, primária — não no sentido ofensivo, mas na sua falta de maturidade institucional. Ela acredita que a República existe para travar partidos com que discorda, para impor uma matriz ética sobre o Parlamento, para vigiar o Governo com punições políticas e, se necessário, bloquear maiorias legítimas. Aliás, afirma sem hesitações que “qualquer maioria possível trabalharei para que não inclua o Chega”, prometendo impedir um governo, ainda que resultante do voto popular.

Aqui está o problema central: A democracia, para Catarina Martins, é aceitável… desde que vote na esquerda. É a eterna tentação da República portuguesa: transformar Belém num bastião partidário.

É precisamente para evitar isto que, nas Monarquias Constitucionais modernas, o Chefe de Estado não pode ser parte das facções — porque representa a Nação inteira. A Monarquia diz: o poder político dispute-se nos partidos; a Chefia de Estado é o lugar da unidade, da história, da continuidade e da estabilidade.

Enquanto na República se pede ao Presidente para ser árbitro… depois de ter sido jogador. A Monarquia resolve o absurdo: O árbitro nasce árbitro.

A República portuguesa está viciada na personalização do poder — troca-se de Presidente, troca-se a moral. A cada eleição, uma nova “salvação”, uma nova “decência”, um novo “guardião”. Catarina Martins quer ser guardiã da Constituição… mas com alvos ideológicos específicos. O Presidente-activista é o pior dos mundos: legitima-se no voto e exerce influência como se fosse acima do voto.

Já um monarca constitucional não governa: vigia o funcionamento das instituições; não se candidata, não disputa poder contra ninguém, não precisa de derrotar adversários para ser símbolo nacional.

Numa República angustiada com crises cíclicas, dissoluções políticas e confrontos permanentes, o papel unificador do Chefe de Estado é vital — e, paradoxalmente, impossível de alcançar sob as regras da própria República, porque quem lá chega precisou dividir para vencer.

Na monarquia: Não há conversões forçadas à imparcialidade. Não há simulacros de independência partidária. Não há Presidente-militante. Há um símbolo estável e duradouro que não está sujeito à erosão moral dos ciclos eleitorais.

Catarina Martins é sincera ao afirmar que “Portugal não é um país do ódio, é um país da solidariedade e respeito”. Está correcta na frase — mas falha no entendimento institucional. O eleitorado precisa de uma Chefia de Estado que encarne essa ideia sem ter de a disputar. Que represente o País sem precisar de excluir quem vota diferente.

Se a República — como Catarina idealiza — depende sempre de uma presidência política para “defender a democracia”, então é um regime estruturalmente frágil. A Monarquia Constitucional oferece, pelo contrário, um regime em que a democracia parlamentar funciona sem um Presidente a fazer de tutor.

Catarina Martins quer “cuidar” do país. A intenção é nobre. Mas a história prova: os regimes que mais precisam de ser cuidados… são os mais fracos. E a República portuguesa já se mostrou incapaz de gerar estabilidade duradoura, unidade nacional ou confiança institucional.

Portugal não precisa de mais uma activista em Belém. Precisa de recuperar uma Chefia de Estado acima das partes, que una o que a política divide. Precisa de reencontrar a memória do que foi — e a segurança do que pode voltar a ser.

Precisa, enfim, de uma Monarquia Constitucional.

 

A entrevista de João Cotrim de Figueiredo – o liberal que pediu ordem à desordem

José Aníbal Marinho Gomes, 12.11.25

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Há entrevistas que são um retrato fiel do entrevistado e outras que, sem querer, são um retrato do país. A de João Cotrim de Figueiredo à SIC, conduzida por Ana Patrícia Carvalho, foi as duas coisas. O antigo líder da Iniciativa Liberal falou com o rigor que lhe é próprio, com a calma de quem confunde serenidade com razão, e com a convicção de que a República pode ser reformada por dentro, como se a casa se pudesse arrumar sem tirar os alicerces. O resultado foi, portanto, uma conversa limpa, civilizada e lúcida — mas, como quase tudo o que é republicano, também um pouco ingénua.

Cotrim de Figueiredo acredita que basta vontade e competência para regenerar o Estado. Falou de transparência, de mérito, de liberdade, e de um país onde o cidadão é o centro da decisão. Tudo muito digno, e até nobre, não fosse o pequeno detalhe de estarmos num regime que trata a responsabilidade como uma abstração e a continuidade como um capricho. O liberalismo de Cotrim de Figueiredo é moralmente sério, mas estruturalmente ingénuo: quer instituições firmes numa ordem que vive de transições, quer estabilidade onde reina a alternância, e pede ao sufrágio a coerência que só a herança pode garantir.

Em vários momentos da entrevista, o candidato descreveu, sem o perceber, as virtudes de uma monarquia constitucional. Quando falou na necessidade de um chefe de Estado que não dependa de partidos, que se coloque acima da contenda política e que una o país sem o governar, falava, de facto, do que já tivemos — e perdemos. Portugal conheceu esse equilíbrio durante a monarquia constitucional: um rei que reinava, mas não governava; um poder moderador que garantia a continuidade e a dignidade das instituições, mesmo nos períodos de turbulência política. Foi essa ordem, construída lentamente ao longo do século XIX, que um golpe de Estado destruiu em 1910, precedido pelo crime político mais grave da nossa história — o regicídio de 1908, onde se matou não apenas um rei, mas a própria ideia de legitimidade. Desde então, a República tem tentado imitar, sem o conseguir, a estabilidade que nasceu dessa tradição.

Quando insistiu na importância de uma presidência de estabilidade e de princípios, descreveu precisamente aquilo que só a permanência dinástica podia assegurar. E quando evocou a ideia de uma “democracia adulta”, esqueceu-se de que a maturidade política de um povo não nasce do voto, mas da continuidade moral das suas instituições — aquela continuidade que a República, na sua ânsia de se afirmar moderna, trocou por um perpétuo ensaio de reinvenção.

O seu discurso, em tudo elegante e contido, teve momentos de verdadeira lucidez. Mas também alguns de uma certa secura liberal, onde o país real — o das pequenas esperanças, das hesitações, dos afetos — desaparecia atrás de gráficos e percentagens. Cotrim de Figueiredo tem o mérito de pensar o Estado como um engenheiro pensa uma ponte: quer solidez, eficiência e desenho limpo. Mas a política, sobretudo a presidencial, exige mais do que engenharia — exige alma. E a alma, ao contrário das pontes, não se calcula.

Ainda assim, há em Cotrim de Figueiredo um rigor que falta aos outros. Não houve na entrevista nem demagogia nem fingimento; apenas a convicção, talvez ingénua, de que a razão basta. E nisso, convenhamos, já é um avanço em relação à retórica inflamada de Ventura, à compostura performativa de Marques Mendes ou à exibição quase teatral de Gouveia e Melo — esse mesmo que, numa entrevista recente, achou graça a ironizar com os monárquicos, esquecendo que a coroa, mesmo ausente, pesa mais do que a farda. Cotrim de Figueredo, pelo menos, respeita a gravidade das ideias.

Mas se o rigor o distingue desses, falta-lhe ainda a densidade que António José Seguro demonstrou — aquele raro sentido de Estado que não vem das sondagens, mas da consciência do cargo. Cotrim de Figueiredo é lúcido, mas não grave; preparado, mas não fundado. ANtónio José Seguro compreendeu a liturgia da presidência, Cotrim fala-lhe como se fosse um conselho de administração. Ambos são sérios, mas só um parece compreender o peso simbólico do poder.

O problema é que o país que o ouve já não acredita na gravidade de nada. Vive de promessas de mudança e desconfia da estabilidade como se fosse um vício. Por isso, o liberal que pede ordem à desordem acaba inevitavelmente a parecer um estrangeiro no próprio regime. A sua visão é a de quem quer dar à República a dignidade que ela não tem — e, paradoxalmente, é isso que o aproxima da tradição monárquica, sem nunca o admitir.

No fim, ficou uma impressão curiosa: a de um homem que quer restaurar o Estado, mas sem restaurar a ideia. Que fala de liberdade com sinceridade, mas esquece que a liberdade sem continuidade é apenas instinto. Que quer moralidade sem hierarquia, dever sem tradição, permanência sem tempo. Um idealista, portanto — e dos raros.

Talvez seja esse o destino dos melhores republicanos: descobrir, sem o admitir, que a verdadeira liberdade é filha da continuidade. Cotrim de Figueiredo parece querer salvar a República de si mesma — e, nesse gesto, acaba por lembrar que só há futuro quando há herança.

Ventura e os Três Salazares: Uma República de Fantasmas

José Aníbal Marinho Gomes, 27.10.25

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A entrevista de André Ventura a Clara de Sousa, transmitida na SIC, foi um curioso retrato daquilo em que a política portuguesa se tornou: um palco de afirmações inflamadas, desprovidas de substância histórica e mergulhadas num sentimentalismo autoritário mal disfarçado de patriotismo. Ventura, que se apresenta como defensor de uma ordem perdida, acabou por revelar, uma vez mais, que não compreende o significado da palavra ordem — nem no sentido moral, nem no institucional.

Quando, com ar grave, declarou que “não era preciso um Salazar, eram precisos três Salazares para pôr isto na ordem”, o país inteiro ouviu um eco distante de tempos sombrios. Mas o mais inquietante é que o próprio Ventura, que se diz “democrata”, parece ignorar que o salazarismo foi precisamente o regime que desfez a última esperança de restauração monárquica em Portugal. É uma ironia que um homem que se proclama defensor da “tradição” invoque o nome daquele que fez da República uma prisão dourada para os monárquicos — e que, diferentemente de Franco em Espanha, nunca quis que o Rei regressasse.

Salazar, com a sua frieza de economista e a sua prudência de seminarista, compreendeu que um Rei seria, por natureza, um poder mais legítimo do que ele próprio. Por isso, manteve o trono vazio, mas sob vigilância, como quem guarda uma relíquia perigosa. Franco, pelo contrário, preparou a restauração, educou o Príncipe e restituiu à Espanha a continuidade dinástica. Em Portugal, o Estado Novo acabou por trair a confiança dos monárquicos que, nas primeiras décadas do século XX, haviam visto em Salazar um possível restaurador. Mas o ditador nunca quis Rei: quis apenas silêncio. E esse silêncio custou a Portugal a sua continuidade histórica.

Enquanto em Espanha a prudência de Franco preparava o regresso da Coroa, em Portugal a obstinação de Salazar cavava um fosso entre o Estado e a História. O resultado foi um país órfão da sua tradição, habituado à obediência, mas incapaz de reverência — uma diferença que Ventura, com o seu autoritarismo ruidoso, parece também incapaz de compreender.

Durante a entrevista, Clara de Sousa, com a serenidade que o jornalismo exige, tentou por diversas vezes arrancar de Ventura uma resposta clara quanto ao papel que pretende desempenhar caso venha a ser eleito Presidente da República. O resultado foi um exercício de contorcionismo político: ora falava como chefe de governo, ora como líder partidário, ora como árbitro nacional — confundindo constantemente as funções de Presidente com as de Primeiro-Ministro. Disse querer “pôr o país na ordem”, “fazer reformas”, “mudar o sistema”, e “impor autoridade” — tarefas que pertencem, por essência, ao Governo, não à chefia de Estado.

Ora, um verdadeiro Chefe de Estado — e aqui falo como monárquico — não governa: reina. Representa, acima das facções e das querelas, a unidade da Nação. É o símbolo da continuidade, não o gestor das circunstâncias. Ventura, pelo contrário, quer ser tudo: Rei sem coroa, Primeiro-Ministro sem Parlamento, e Presidente sem República. A sua ambição parece mais próxima do caudilhismo ibérico do que da sobriedade régia portuguesa.

Talvez o mais revelador momento da entrevista tenha sido quando, questionado sobre o 25 de Abril, se demarcou da Revolução e disse que “não celebrará o regime que destruiu a autoridade em Portugal”. É curioso ouvir isto de alguém que se candidata à Presidência da República — isto é, à mais alta magistratura do regime nascido precisamente desse 25 de Abril. O que Ventura quer, ao que tudo indica, é usufruir das instituições republicanas sem aceitá-las. É como quem entra num mosteiro para pregar contra Deus.

Mas a incoerência maior não está apenas nas palavras, está no espírito. Um Rei, mesmo num sistema constitucional, sabe que o seu dever é ser o pai de todos os seus súbditos — dos que o amam e dos que o detestam. Ventura, em contrapartida, não quer ser o Presidente de todos os portugueses; quer ser o comandante dos seus. Divide o país entre “bons” e “maus”, “patriotas” e “traidores”, “puros” e “corruptos” — uma velha táctica dos aprendizes de tirano. Onde um Rei procura conciliar, Ventura procura combater; onde um Rei simboliza a continuidade, ele encarna a ruptura; onde um Rei reina com discrição, ele agita com estrépito.

Clara de Sousa, talvez consciente deste paradoxo, tentou expô-lo com subtileza. Perguntou-lhe, por exemplo, se acreditava que a força resolveria os problemas de Portugal. Ventura respondeu com aquele sorriso estudado que já se tornou o seu emblema mediático: “Não é força, é autoridade.” Mas a diferença entre ambas é apenas semântica quando dita por quem sonha com “três Salazares”. E assim, a entrevista transformou-se num espelho da República actual: um espaço onde o populismo confunde vigor com virtude, e onde a retórica da “ordem” mascara o vazio de ideias.

Os monárquicos, que há muito aprenderam a distinguir autoridade de autoritarismo, não podem deixar de ver nesta retórica um eco de tragédias passadas. Salazar prometeu estabilidade e entregou estagnação; prometeu moralidade e deixou um país miserável, amputado de futuro e de esperança. Ventura repete as promessas, mas ignora as consequências. E se Salazar, com toda a sua inteligência e frieza, soube manipular os símbolos nacionais, Ventura limita-se a usá-los como adereços de campanha.

No fim da entrevista, ficou claro que André Ventura não deseja reformar o regime, mas substituí-lo por uma caricatura de si mesmo. A sua “República de três Salazares” é o espelho distorcido de um país cansado, que já não acredita nem na República nem, lamentavelmente, na Democracia — valores que, bem entendidos, nunca foram incompatíveis com a ideia monárquica —, mas que também esqueceu a serenidade que só uma Monarquia pode oferece.

E é talvez esse o maior drama: Portugal é hoje um reino sem Rei e uma República sem rumo. Ventura, com o seu tom inflamado e o seu olhar justiceiro, não é a solução — é apenas o sintoma. E enquanto a política continuar a produzir fantasmas em vez de estadistas, a nossa velha Pátria continuará à procura de si mesma, perdida entre o eco de um ditador e a sombra de um trono vazio.

A entrevista de António José Seguro: isenção proclamada e a ausência do Rei

José Aníbal Marinho Gomes, 25.10.25

Esta segunda-feira, António José Seguro concedeu uma longa entrevista à jornalista a Clara de Sousa. Foi uma conversa pausada, mais sóbria e menos emotiva do que as de outros candidatos, marcada pela tentativa constante de afirmar uma imagem de equilíbrio e de suprapartidarismo. Seguro quis apresentar-se como um homem acima dos partidos, um candidato de todos os portugueses, e não apenas do Partido Socialista de onde provém.

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Como monárquico, observo estas entrevistas com um distanciamento peculiar. Não voto nas presidenciais, pois considero que a figura de Chefe de Estado, em Portugal, não pode ser plenamente representada por um Presidente eleito, sujeito a campanhas, alianças e cálculos políticos. O verdadeiro Chefe de Estado é o Rei — símbolo da continuidade nacional e garante da unidade. Ainda assim, é sempre útil ver de que modo cada candidato entende o exercício do cargo, o peso da História e a sua relação com os símbolos do País.

A entrevista de António José Seguro revelou um candidato mais articulado do que Henrique Gouveia e Melo e mais ponderado do que Luís Marques Mendes. Mostrou domínio dos temas e serenidade institucional. Porém, do ponto de vista monárquico, há um vazio de fundo que não pode passar despercebido: nem uma única vez foi mencionada a monarquia, e Seguro não se antecipou ao silêncio da entrevistadora para o fazer. Logo no início, insistiu na sua isenção, afirmando que a sua candidatura é suprapartidária e que pretende ser o Presidente de todos os portugueses. A frase soa bem, mas é uma daquelas declarações que, ditas com convicção, escondem uma impossibilidade prática. A isenção plena não se proclama — encarna-se. E só o Rei a encarna verdadeiramente.

Um Presidente, por mais íntegro e bem-intencionado que seja, é produto do sistema eleitoral e dos partidos que o sustentam. Um Rei, pelo contrário, não deve a sua posição a ninguém, e é justamente por isso que pode representar todos. A neutralidade real não depende de votos nem de mandatos. É anterior à política, e por isso mesmo está acima dela. Ao contrário do que sucedeu nas entrevistas de Gouveia e Melo e de Marques Mendes — em que, ainda que apenas no final, foi tocada a questão monárquica —, Seguro deixou o tema completamente de fora. Clara de Sousa não o introduziu, e o candidato não aproveitou a oportunidade para o fazer. Poderia ter dito algo de tão simples quanto:

«Serei Presidente de todos os portugueses, dos monárquicos e dos republicanos.»

Mas não o fez.

Essa ausência é reveladora. Denota uma visão restrita da Chefia de Estado — limitada à função política e administrativa, sem sensibilidade para a dimensão simbólica da Nação. Um candidato verdadeiramente consciente da história portuguesa reconheceria que a monarquia continua a representar, para muitos, o arquétipo da imparcialidade e da continuidade do Estado. Ao omitir completamente esse universo, Seguro confirma-se como produto integral da república: um homem de instituições, mas sem ligação à raiz simbólica do poder.

No plano temático, a entrevista decorreu de modo previsível. Seguro falou sobre imigração, afirmando ser fundamental disciplinar a imigração para que o país cresça economicamente; abordou a aplicação da Constituição, sublinhando que não há portugueses de primeira nem de segunda e que não tenciona ser apenas um notário, prometendo fazer perguntas e exigências. Falou ainda da necessidade de reformas e de criação de riqueza — «não podemos andar a brincar aos governos» — e rematou com uma nota pessoal: «Podia ficar sentado no sofá a gozar a praia da Foz do Arelho ou as minhas vinhas em Penamacor, mas julgo poder dar um contributo ao país. Sinto-me uma pessoa abençoada.»

São declarações de alguém que procura equilíbrio e autoridade. Contudo, falta-lhes elevação. Tudo é dito no registo da gestão e da funcionalidade, sem transcendência. Fala-se da Constituição, mas não da História; da governação, mas não da Pátria. Nenhuma palavra sobre a ideia de Nação, sobre os símbolos que unem o povo para além da política. Um Rei, se falasse, não precisaria de prometer isenção — representá-la-ia naturalmente.

Comparado com outros candidatos, Seguro surge mais sereno e institucional. Gouveia e Melo revelou-se mais emocional e menos preparado; Marques Mendes, embora experiente, preferiu a prudência calculada, o discurso neutro, quase burocrático. Seguro, entre ambos, destaca-se pela coerência e pelo domínio da linguagem institucional. Mas, como todos, permanece prisioneiro da limitação republicana: pode desejar representar todos os portugueses, mas não consegue encarnar a neutralidade que só o Rei possui.

Convém recordar, a este propósito, que a monarquia não é uma recordação pitoresca, nem um capricho sentimental. É uma forma histórica de continuidade. Durante séculos, os Reis de Portugal foram a encarnação da unidade nacional e da estabilidade política. D. João IV restaurou a independência; D. Pedro V simbolizou a modernidade e o dever cívico; D. Carlos manteve o sentido de Estado num tempo de crise. Mesmo no exílio, a Casa Real continuou a representar uma ligação viva entre o passado e o futuro do País.

A república, pelo contrário, substituiu a legitimidade histórica por uma legitimidade eleitoral, sempre efémera e sujeita à erosão dos partidos. O Rei não é eleito, não governa, não precisa de agradar — representa. A sua autoridade não vem de uma maioria momentânea, mas da própria continuidade da Nação. Seguro, que gosta de falar em isenção, poderia ter reconhecido esta diferença simbólica, sem pôr em causa o regime. Bastar-lhe-ia ter admitido que a Chefia de Estado deve ser de todos — inclusive dos monárquicos. Não o fez. E o seu silêncio não é inocente: revela a incapacidade da república em reconhecer a dimensão espiritual e histórica da Nação que pretende representar.

As entrevistas desta campanha têm mostrado, uma vez mais, a fragilidade da concepção republicana do poder. O Presidente é, inevitavelmente, um homem do seu tempo, das suas alianças, dos seus compromissos. A figura do Rei, ao contrário, é a permanência da Pátria no tempo. Representa a continuidade que nenhum sufrágio pode garantir. Seguro fala de neutralidade, mas a sua neutralidade é prometida, não vivida. A do Rei é natural e silenciosa, porque não precisa de se justificar. É a neutralidade que vem da linhagem, da tradição e do dever. É, em suma, o contrário da política.

A entrevista de António José Seguro foi sólida, ponderada e tecnicamente competente. Mas, vista de uma perspectiva monárquica, ficou aquém da verdadeira ideia de Chefia de Estado. Faltou-lhe verticalidade, consciência histórica e sentido simbólico. Falou-se de Portugal, mas não da Nação; falou-se de governo, mas não de realeza. Seguro esteve bem enquanto candidato — mas o trono da imparcialidade continua vazio.

A Entrevista de Marques Mendes: Respeito Formal, Ambiguidades e a Questão Monárquica

José Aníbal Marinho Gomes, 25.09.25

A entrevista de Luís Marques Mendes à jornalista Clara de Sousa, no âmbito das eleições presidenciais de 2026, trouxe consigo uma postura diferente daquela que já tínhamos visto noutra ocasião, nomeadamente na resposta desastrada de Gouveia e Melo sobre a questão monárquica. Ainda assim, a forma como o candidato se posicionou merece análise cuidadosa, pois, apesar do tom aparentemente respeitoso, não deixa de revelar fragilidades e ambiguidades que importa destacar.transferir.jpgQuestionado sobre se um regime presidencialista serviria melhor os interesses nacionais, Marques Mendes rejeitou tal possibilidade e aproveitou para dirigir-se directamente aos portugueses monárquicos que estivessem a assistir, garantindo que, se for eleito Presidente da República, representará todos os cidadãos — republicanos e monárquicos — com gosto na diferença e no respeito pela diversidade. À primeira vista, esta declaração soa equilibrada e conciliatória, contrastando claramente com o tom jocoso e ofensivo de Gouveia e Melo. No entanto, a análise atenta mostra que, embora mais polida, a resposta de Marques Mendes continua a encarar a questão monárquica como uma mera excentricidade, um gosto diferente que deve ser tolerado, e não como uma visão política e institucional legítima que pertence ao debate democrático português.

Ao falar de “diferença” com respeito, o candidato parece reduzir o ideal monárquico ao campo das preferências pessoais, como quem respeita a opção clubística ou o estilo de vida de cada um. Ora, a monarquia não é um gosto nem uma moda: é uma tradição histórica que moldou Portugal, um projecto político alternativo ao republicanismo, fundado na continuidade, na unidade e na neutralidade do Chefe de Estado. O simples acto de relegar esta tradição a uma nota de rodapé respeitável, mas irrelevante mostra uma falta de profundidade que se repete noutros momentos da sua entrevista, onde a experiência e a contenção discursiva não se traduziram em propostas de substância para o cargo a que se candidata.

Marques Mendes evitou o erro grosseiro de ridicularizar, mas caiu numa outra armadilha: a da ambiguidade. Prometeu representar todos, mas não demonstrou compreensão histórica ou sensibilidade cultural relativamente à monarquia. Limitou-se a enunciar um respeito genérico, que soa mais a fórmula eleitoral do que a convicção sincera. Um Chefe de Estado que se limita a respeitar formalmente, sem valorizar, arrisca-se a não passar de um diplomata de palavras, incapaz de reconhecer que a tradição monárquica é parte viva da identidade nacional e que merece lugar no espaço público com dignidade.

Além disso, a sua postura reflecte a crítica mais ampla que muitos analistas lhe fazem: Marques Mendes tem experiência e fala com prudência, mas falta-lhe visão transformadora, falta-lhe densidade programática. Ao não ir além do respeito superficial, mostra-se mais preocupado em não ferir susceptibilidades do que em afirmar com clareza qual é o seu entendimento da unidade nacional e da verdadeira representatividade. Um Presidente da República não pode contentar-se com a diplomacia das palavras; deve encarnar símbolos, assumir tradições e garantir a continuidade da Nação.

Comparado com Gouveia e Melo, que escolheu a via do desprezo, Marques Mendes foi mais hábil. Contudo, o resultado não deixa de ser insatisfatório. Para os monárquicos, ouvir que serão respeitados como uma “diferença” não basta. Não se exige que um candidato presidencial defenda a restauração monárquica — seria incoerente esperar isso dentro da república — mas espera-se, no mínimo, um reconhecimento claro de que esta tradição faz parte do tecido político e histórico português e que não pode ser reduzida a um detalhe menor.

A entrevista, no fundo, mostrou um candidato cuidadoso com as palavras, mas pouco ousado, mais preocupado em não errar do que em afirmar convicções robustas. Essa ambiguidade pode agradar ao eleitorado republicano moderado, mas deixa os monárquicos, e muitos outros portugueses atentos à substância, com a sensação de vazio.

Tal como disse relativamente a Gouveia e Melo, um Presidente deve representar todos os portugueses. Mas representar não significa apenas respeitar diferenças; significa dar voz, compreender, valorizar e unir de facto. Um Rei constitucional, pela sua posição neutra e hereditária, cumpre naturalmente essa função de unidade sem precisar de fórmulas ambíguas ou de discursos de conveniência. Ao contrário, um Presidente eleito pela república tem de provar constantemente que pode elevar-se acima das disputas partidárias e das clivagens ideológicas. No caso de Marques Mendes, as suas palavras foram mais educadas do que as de Gouveia e Melo, mas continuam a não convencer aqueles que exigem mais do que boas maneiras: exigem visão, respeito efectivo e a consciência de que a tradição monárquica é, e sempre será, parte da alma nacional.

É por isso que, como monárquico, não posso deixar de sublinhar: há monárquicos que votam nas eleições presidenciais e que devem ouvir com muita atenção o que os candidatos dizem acerca da monarquia, pois essas palavras revelam a forma como encaram a história e a identidade do nosso país. Outros, como é o meu caso, não votam, por não reconhecerem legitimidade ao sistema republicano. Mas, quer participem ou não nesse acto eleitoral, todos os monárquicos merecem respeito verdadeiro — e não apenas fórmulas vagas de cortesia.

 

“Não se arranjam outros candidatos?”

José Aníbal Marinho Gomes, 24.02.25

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Miguel Sousa Tavares, em artigo de opinião publicado a 13 de Fevereiro no Jornal “Expresso”, intitulado “Não se arranjam outros candidatos?”, apresenta uma crítica mordaz ao estado actual da política portuguesa, nomeadamente ao processo de selecção de candidatos à Presidência da República e à degradação da qualidade dos seus protagonistas. Através de um tom irónico e sarcástico, questiona se a democracia republicana, tal como está a ser exercida em Portugal, ainda se pode considerar uma vantagem face a um sistema monárquico. Esta provocação sugere um desencanto com a forma como os líderes políticos são escolhidos e como se apresentam ao eleitorado.

Sousa Tavares aponta para a pobreza das opções presidenciais, sublinhando que a abundância de candidatos não significa necessariamente qualidade. A crítica estende-se desde figuras políticas tradicionais, como Marques Mendes ou António Vitorino, até opções improváveis, como Cristina Ferreira. Ou seja, esta realidade desvirtua o princípio republicano de escolha democrática, pois não oferece ao eleitorado alternativas verdadeiramente inspiradoras ou qualificadas.

Esta perspectiva soa com uma crítica monárquica tradicional: a ideia de que a escolha de líderes através do voto pode resultar não nos mais capacitados, mas nos mais populares ou mais habilidosos na arte da retórica e do jogo político. Em contraste, a monarquia oferece um chefe de Estado preparado desde cedo para a sua função, afastado das lutas partidárias e das flutuações do humor eleitoral.

A segunda parte do artigo aborda casos recentes de escândalos políticos e judiciais, nomeadamente no partido Chega, que Sousa Tavares descreve como um fenómeno de crescimento descontrolado, sem critérios rigorosos na seleção dos seus representantes. A referência a figuras como o deputado envolvido em crimes de pedofilia e a associação a elementos de extrema-direita reforçam a visão de que há uma degradação no perfil ético e moral dos políticos em ascensão.

A crítica aqui exposta não se restringe ao Chega, mas a um problema estrutural da democracia portuguesa: a falta de mecanismos eficazes para impedir que indivíduos moralmente questionáveis cheguem a posições de poder. Neste ponto, é meu entendimento que a estabilidade institucional de uma monarquia constitucional evitaria tais situações, uma vez que a figura do chefe de Estado estaria acima de tais disputas e seria um garante de valores éticos e históricos, não estando dependente de ciclos eleitorais ou da volatilidade dos partidos políticos.

Miguel Sousa Tavares expande a sua análise para a cena internacional, abordando o papel da Europa face aos desafios impostos pelos Estados Unidos e pela China. A menção a Emmanuel Macron como um dos poucos líderes europeus capazes de apresentar uma visão estratégica para o futuro da União Europeia contrasta com a falta de ambição e visão que o autor identifica na política portuguesa.

A nível interno, esta questão remete novamente para a ideia de liderança e representatividade. Sousa Tavares parece sugerir que Portugal carece de figuras de autoridade com visão de longo prazo e capacidade de decisão independente. No contexto de um regime monárquico, um chefe de Estado que não esteja sujeito a ciclos eleitorais e interesses partidários desempenha um papel mais eficaz na definição de directrizes estratégicas para o país.

Por último foca-se na política externa, criticando a postura da União Europeia em relação aos Estados Unidos, bem como a diplomacia portuguesa no conflito israelo-palestiniano. Sousa Tavares denuncia a hipocrisia dos líderes europeus, que adoptam discursos politicamente correctos, mas falham em tomar posições concretas e coerentes.

Aqui, o autor reforça um argumento que pode ser interpretado como uma crítica mais ampla ao modelo democrático ocidental: a prevalência do oportunismo e da falta de coragem política em detrimento de princípios claros. Novamente, vejo esta crítica como um ponto a favor de um modelo monárquico, na medida em que um chefe de Estado não sujeito a pressões eleitorais poderia manter uma posição mais consistente e independente.

Desconheço se o artigo de Miguel Sousa Tavares é ou não uma defesa explícita da monarquia, mas levanta questões que um monárquico pode facilmente utilizar para argumentar a favor do seu sistema preferido. A crítica ao actual estado da democracia portuguesa – desde a falta de liderança inspiradora, passando pela degradação da qualidade dos políticos, até à hipocrisia da política internacional – pode ser interpretada como um sintoma de um regime que não está a produzir os melhores resultados para a nação.

A provocação do autor – “será que não seria melhor vivermos em monarquia?” é um reflexo do seu desencanto com o estado actual da política. No entanto, para um monárquico como eu, esta provocação é um convite para um debate mais profundo sobre os méritos comparativos da monarquia e da república. Afinal, se a escolha democrática nos leva sistematicamente a líderes medíocres ou eticamente questionáveis, não faria sentido considerar uma alternativa que privilegiasse a estabilidade, a formação contínua e a neutralidade política no mais alto cargo do Estado?

 

Movimento Monárquico: “Entre a Nostalgia e a Necessidade de uma Acção Política Concreta"

José Aníbal Marinho Gomes, 21.01.25

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O movimento monárquico, enquanto proposta de alternativa para Portugal, enfrenta desafios que derivam em grande parte de uma incompreensão crítica do seu verdadeiro papel na sociedade contemporânea. Entre os seus defensores, surge frequentemente a ideia de que o movimento não é nem deve ser um partido político, o que é correcto, mas tal afirmação não pode ser um álibi para evitar a acção política. Afinal, uma causa que visa um sistema político alternativo não pode deixar de ter uma dimensão política, por mais que se queira vestir de abstração ou distanciamento.

Este paradoxo leva-nos à primeira grande fragilidade do discurso de alguns monárquicos: a recusa em definir o que significa essa actuação política. Não basta afastar-se dos moldes partidários tradicionais; é necessário explicar como se pretende influenciar a sociedade de forma concreta e prática. Sem esta clareza, o movimento monárquico cai numa indefinição que o condena a um papel irrelevante no cenário político nacional.

O Movimento Monárquico tem de ter intervenção política, designadamente sobre temas transversais à sociedade portuguesa. Não pode limitar-se apenas a jantares convívios, frequentemente realizados em espaços fechados e elitistas como clubes privados, inacessíveis ao grande público. Deve sair desse isolamento e realizar iniciativas públicas abertas a todos os cidadãos, promovendo um verdadeiro diálogo com a sociedade portuguesa e tornando a causa monárquica mais visível, inclusiva e mobilizadora.

Não há qualquer contradição entre defender a monarquia e abordar problemas concretos que afectam o quotidiano dos portugueses. Se, por exemplo, Portugal enfrenta um verão devastador com centenas de incêndios florestais, as estruturas monárquicas não podem manter-se em silêncio. Ter uma posição sobre a prevenção e o ordenamento florestal — temas essenciais para o desenvolvimento sustentável do país — não significa tornar-se um partido político. Significa, isso sim, demonstrar relevância e compromisso com o bem comum.

O mesmo se aplica às alterações climáticas, um desafio que tem impacto directo na vida dos portugueses, desde os agricultores que enfrentam seca extrema até às zonas costeiras ameaçadas pela erosão. O Movimento deve intervir com propostas sérias e estruturadas, que mostrem como uma monarquia moderna poderia liderar de forma responsável na protecção ambiental, no uso eficiente dos recursos e na promoção de energias renováveis.

Outro exemplo concreto é a agricultura e o mundo rural, que sofrem com o abandono e a falta de políticas consistentes. O movimento monárquico pode e deve ter uma palavra a dizer sobre o apoio à agricultura familiar, a revitalização das aldeias e a gestão equilibrada do território. Estas questões têm impacto directo na coesão nacional e são áreas onde a monarquia poderia apresentar soluções pragmáticas e inspirar confiança nos cidadãos.

É importante reconhecer que o movimento monárquico perdeu, em grande parte, a cultura de militância e intervenção política que marcaram outras fases da sua história. Nos anos seguintes a 1974, houve experiências de militância monárquica organizada, como a Juventude Monárquica Revolucionária (primeira designação da Juventude do PPM), ou o Partido Popular Monárquico (PPM) ── nos quais com muito orgulho militei. Embora o contexto actual seja diferente, há lições valiosas a retirar desse período, nomeadamente no que diz respeito à capacidade de intervenção e mobilização.

Além disso, é relevante destacar que muitos monárquicos, ao longo dos anos, também militaram e militam em partidos políticos, como o CDS, PSD, PS e MPT-Partido da Terra. Esta experiência de intervenção e combate político em diferentes contextos partidários proporcionou-lhes uma bagagem de conhecimento e prática que, em muitos casos, falta a grande parte dos actuais dirigentes monárquicos. A vivência em partidos com estruturas e dinâmicas de mobilização mais amplas e a participação activa no debate político nacional conferem uma perspectiva estratégica que é muitas vezes negligenciada no movimento monárquico actual, mas que poderia ser decisiva para a sua renovação e fortalecimento.

Muitos monárquicos abandonaram a ideia de um partido monárquico, e bem, porque, assim como eu, entenderam que um Movimento Monárquico é mais abrangente do que a lógica partidária. No entanto, os anos de militância num partido monárquico trouxeram a alguns de nós experiência de organização, comunicação e mobilização que hoje fazem falta à maior parte dos responsáveis monárquicos. É esta experiência que urge recuperar e adaptar às exigências do presente. O movimento monárquico precisa de dirigentes e militantes com capacidade para intervir publicamente, para organizar eventos mobilizadores e para comunicar eficazmente as suas propostas.

Além disso, há uma questão essencial que não pode ser ignorada: como é que o movimento monárquico pode divulgar a figura do Duque de Bragança e da Família Real Portuguesa se continuar fechado em si mesmo? Se as actividades se limitam a eventos restritos e sem projecção pública, como é que se espera que a sociedade portuguesa conheça e valorize a Casa Real Portuguesa? A resposta é evidente: é necessário abrir o movimento ao exterior. Organizar eventos em praças públicas, promover debates abertos, campanhas de sensibilização e iniciativas de carácter social são formas eficazes de aproximar a monarquia das pessoas. A figura do Duque de Bragança deve ser associada a estas acções, posicionando-o como um líder próximo, acessível e preocupado com os problemas reais do país.

A segunda debilidade de alguns monárquicos é a recorrência de um discurso excessivamente defensivo. Alega-se que os resultados obtidos não são satisfatórios por vários factores, com uma nota de resignação face à falta de mobilização popular. Este tipo de justificação é, em si mesma, um reflexo do problema. É fácil atribuir os insucessos a causas externas ou ao contexto, mas é necessário ir além disso e questionar com seriedade o que está a ser feito — e como poderia ser feito melhor. O movimento monárquico necessita de autocrítica e de um diagnóstico claro dos seus erros: é preciso apontar falhas nos métodos, nos discursos e nas estratégias usadas para atrair os cidadãos e cativar uma base popular consistente.

Outra limitação significativa é a dependência excessiva de uma visão idealizada do passado. O argumento de que a monarquia traria estabilidade e representa uma continuidade histórica carece de sustentação concreta quando transposto para o século XXI. A evocação de “reis que construíram Portugal” ou de figuras emblemáticas não responde às necessidades e desafios do presente. A sociedade moderna pede soluções pragmáticas e uma relação de proximidade com os problemas reais, não apenas uma apologia nostálgica que, por vezes, parece desconectada do presente.

Por fim, a aposta em cenários hipotéticos ou em histórias alternativas, é uma distração perigosa. Embora a ficção histórica tenha o seu valor como exercício cultural ou intelectual, não pode substituir uma proposta séria de intervenção no presente: o que pode e deve ser feito agora. A política, afinal, não se constrói com base em fatalismos ou em cenários alternativos, mas em acções concretas e realistas.

Em conclusão, a causa monárquica tem o potencial para contribuir para o debate político nacional, mas isso só será possível quando ultrapassar as suas ambiguidades e apresentar uma visão clara, pragmática e mobilizadora. A nostalgia e o discurso defensivo não chegam. É necessário olhar para a frente, assumir os desafios da actualidade e apresentar soluções que convençam os portugueses de que a monarquia é, de facto, uma alternativa credível e desejável.

 

* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico de 1990.

A Incoerência do Apoio do PPM a uma Candidatura Presidencial

José Aníbal Marinho Gomes, 27.12.24

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O recente apoio do Partido Popular Monárquico (PPM) à potencial candidatura do Almirante Gouveia e Melo às eleições presidenciais de 2026 suscita um debate profundo sobre a coerência ideológica e a fidelidade aos princípios fundadores do partido. Como antigo filiado do PPM desde 1974, partido em que ocupei diversos cargos a nível nacional, designadamente o de Presidente da Comissão Executiva Nacional e membro da Comissão Política Nacional, sinto-me compelido a expressar a minha discordância com esta decisão inédita na história do partido.

Importa também referir que, em 1997, abandonei e desfiliei-me deste partido, por considerar que, apesar de o PPM ter desmitificado a ideia de Monarquia após o 25 de Abril, não fazia sentido continuar a existir um partido monárquico. Não apenas pelo facto de a monarquia ser suprapartidária, mas também porque a grande maioria dos seus dirigentes históricos abandonou o partido pelos mesmos motivos. No entanto, continuo a acompanhar com interesse o seu percurso.

O PPM, desde a sua fundação em 1974 por Gonçalo Ribeiro Telles, Henrique Barrilaro Ruas e outros destacados monárquicos, tem como objectivo primordial a restauração da monarquia em Portugal. Este princípio norteador distingue o partido no panorama político nacional, conferindo-lhe uma identidade única e uma missão clara. O apoio a uma candidatura presidencial republicana parece, portanto, contradizer a essência do partido, que sempre se posicionou em defesa de um regime monárquico.

O PPM apresentou como justificação para este apoio a integridade pessoal e a capacidade de liderança de Gouveia e Melo, destacando, entre outros, o seu papel durante a pandemia de COVID-19. Independentemente de o Almirante possuir ou não méritos individuais, o argumento de apoiar um candidato com base apenas nas suas qualidades pessoais não se sustenta dentro do contexto de um partido que defende a monarquia. Um partido como o PPM deve preservar os seus princípios acima de tudo, o que implica evitar apoiar candidaturas que reforcem o sistema republicano, independentemente das virtudes de qualquer candidato.

Outro argumento apresentado é a falta de alternativas viáveis que reflitam os valores do PPM. Este ponto demonstra uma falta de visão estratégica, já que a resposta adequada do partido deveria ser trabalhar para promover a discussão sobre a relevância da monarquia parlamentar em Portugal, em vez de se aliar a um sistema que é, em essência, antagónico à sua razão de ser. O apoio a um candidato presidencial é uma aceitação implícita da República como modelo de governação, algo que compromete a mensagem central do partido e aliena os seus apoiantes tradicionais.

Por fim, um outro argumento apresentado, é que esta decisão visa dar visibilidade ao PPM e reforçar a sua relevância no panorama político nacional. Embora seja compreensível que o partido queira ganhar protagonismo, isso não deve ser feito à custa dos seus ideais fundadores. Sacrificar a coerência ideológica em troca de visibilidade política é um erro que compromete irremediavelmente a credibilidade do partido e a sua missão a longo prazo.

Esta decisão inédita no PPM representa uma clara ruptura com a sua tradição de não se envolver diretamente em eleições presidenciais. Tal atitude pode ser vista como uma concessão aos valores republicanos e um abandono dos objectivos originais do partido. Além disso, o apoio a uma candidatura presidencial republicana pode confundir os eleitores e desvirtuar a identidade do partido, levando a questionamentos sobre o seu compromisso com a causa monárquica.

É fundamental que o PPM reavalie esta decisão e volte a concentrar-se na sua missão central: a defesa e promoção da monarquia parlamentar como uma alternativa credível para Portugal. Esta é a melhor forma de honrar a memória dos seus fundadores e de respeitar todos aqueles que, ao longo das décadas, dedicaram o seu tempo e esforço à causa monárquica.

O apoio a Gouveia e Melo, por mais bem-intencionado que seja, é um desvio preocupante do caminho traçado pelo PPM desde a sua criação. O partido deve voltar a ser fiel aos valores que lhe conferem identidade, em vez de procurar relevância através de alianças que enfraquecem a sua posição ideológica.

 

* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico de 1990.

“Entre a Coroa e o Oportunismo: A Essência Perdida"

José Aníbal Marinho Gomes, 14.12.24

 

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Um verdadeiro monárquico distingue-se pela fidelidade a princípios que atravessam gerações: a defesa da tradição, da honra e de uma postura apolítica que eleva os valores da monarquia acima das disputas partidárias. É essa integridade que faz com que aqueles que defendem a realeza não se percam em alianças ou em jogos de poder. Porém, nem todos parecem recordar esta verdade fundamental.

Existem, infelizmente, figuras que se apresentam como defensores da causa monárquica, mas que, em momentos de conveniência, parecem abdicar das suas convicções como quem troca um manto real por um simples casaco de ocasião. Para quem, como eu, acredita na monarquia como um ideal de união e neutralidade, é desconcertante observar atitudes que contradizem este princípio, especialmente quando alguém se envolve em campanhas e alianças que claramente pertencem ao espectro republicano.

E que dizer de quem, por estratégia ou oportunismo, participa em celebrações de datas e movimentos que simbolizam o "triunfo" dos ideais republicanos sobre a monarquia? Uma presença nesses eventos não é apenas uma contradição – é quase uma renúncia ao próprio legado que um monárquico autêntico deveria preservar. A coerência, afinal, é a base da credibilidade.

Não deixa de ser intrigante que entre aqueles que defendem o regime monárquico, alguns se revejam agora no apoio a um "almirante" que aparece retratado como herdeiro do espírito de D. João II – um Rei cuja memória representa força, estratégia e liderança visionária. Contudo, ao invés de honrar a neutralidade e a grandeza do monarca que navegava acima das disputas efémeras, essas figuras parecem aliar-se a projectos que pertencem a um campo onde qualquer monárquico, digno desse nome, deveria manter-se ausente: eleições presidenciais.

O verdadeiro monárquico sabe que a luta por cargos electivos à chefia do estado pertence ao domínio republicano. Não faz campanha por candidatos, não se alia a estratégias eleitorais e, acima de tudo, não participa em disputas que dividem, pois sabe que o papel da monarquia é unir e inspirar. Tomar partido é perder a verdadeira essência.

A questão, então, é a seguinte: será que quem se diz monárquico, mas age de outra forma, está disposto a abdicar de princípios por um jogo de interesses? Ou será que, no fundo, nunca abraçou verdadeiramente a causa? Para muitos, a monarquia é uma coroa invisível, com valores, não um objecto que se coloca e retira conforme a ocasião.

Há algo de irónico naqueles que, outrora associados a símbolos da tradição e da continuidade histórica, se veem agora, lado a lado, com movimentos que celebram rupturas com esse passado. Talvez não seja surpresa que estas figuras acabem por perder o respeito tanto de monárquicos quanto de republicanos. Afinal, como confiar em alguém que troca de lado como quem troca de camisa?

A monarquia, enquanto ideia, merece ser defendida por quem compreende o seu significado profundo. Não é uma bandeira que se agita ao vento das oportunidades, mas sim um compromisso com a história, com a cultura e com os valores que transcendem o imediato. Quem falha em compreender isto, pode vestir a capa da monarquia, mas nunca será mais do que uma figura transitória numa peça que exige convicções firmes.

No final, os verdadeiros monárquicos continuam fiéis, mesmo em tempos de adversidade, porque sabem que é na coerência que reside a força das suas ideias. Quanto aos outros, talvez continuem a dançar entre ideais e interesses, mas sem nunca conquistar o respeito de quem defende a tradição com lealdade inabalável.