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Risco Contínuo

Estrada dos bravos, blog dos livres

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Estrada dos bravos, blog dos livres

Gregos e Troikanos

JFD, 01.07.15

 1. O governo português está entusiasmado com a austeridade, dela fazendo bandeira e lema. A pertença à família ideológica de onde ela emerge tolda a visão, e na mistura com slogans vai parecendo que o programa de intervenção está a funcionar. Sabemos que não é bem assim. O grande programa do governo PSD-CDS era: controlo do défice e redução da dívida pública. Resultado: défice pseudo-controlado e uma dívida pública nos píncaros. Redução do desemprego? Sim, exportando a mão-de-obra ativa. 

2. Mas o que tem isto a ver com a Grécia? Bom, não teria nada não fosse lema de campanha da coligação o "não somos a Grécia". O que há, de facto, de diferente entre Portugal e a Grécia, é que a) não estivemos envolvidos numa mentira com a Goldman & Sachs envolvendo uma falsificação das contas públicas, b) o governo grego está nos antípodas do mainstream ideológico europeu. Ora, se o primeiro ponto diz respeito às dificuldades na recuperação económica, o segundo diz diretamente à aplicação de uma receita que vem provando toda a sua ineficácia. O problema da troika com os gregos é que o Syriza é o monstro debaixo da cama do liberalismo bancário que nos governa - há que o matar e colocar no seu lugar um fantoche, de preferência um clone do primeiro-ministro português, alguém que entenda que não há vida para além da troika, que não há amor maior do que o dos bancos, alguém que queira uma cadeira confortável num escritório escolhido a dedo, depois de ter cumprido o papel que lhe foi dado a desempenhar, e o qual levou a bom porto com tanto esmero. 

3. É claro que o Grexit será um problema para a Europa. É claro que a Grécia deverá passar um mau bocado, a menos que se vire para oriente e se torne um protetorado chino-russo. Mas não é isso que vai acontecer. Não é isso que a troika quer. O que a dita deseja, isso sim, é fazer vergar Tsipras, fazendo da Grécia um exemplo do que acontece a quem afronta o status quo, a quem não se verga perante o poder imperial da nova Roma. 

4. No entanto, devemos olhar outros horizontes. Qual foi o país que resolveu a sua falência em tempo recorde? A Islândia. E como? Recusando a troika e desenvolvendo um projeto alternativo que passava pelo reforço das relações em eixo com a Noruega, Dinamarca e Suécia. Trata-se, claro, de uma realidade geográfica, política, económica e cultural diferente, mas não deixa de servir de estudo-de-caso para um novo amanhã, mais humano, de preferência. 

5. Por fim, recordemos que um grande defensor da aplicação da austeridade, Jean-Claude Juncker, foi, enquanto primeiro-ministro luxemburguês, um ativo agente do capital, desenvolvendo estratégicas que permitiram às grandes empresas brutais fugas aos impostos. Ora, o que temos aqui é, sem dúvida, uma batalha ideológica entre um programa designado por austeridade que vai favorecendo as grandes empresas e em particular os bancos e penalizando os cidadãos como elos frágeis amarrados à impossibilidade de fugas limpas aos impostos, e um governo grego que anseia por um programa alternativo, que penalize menos os cidadãos e que traga as empresas ao cumprimento do seu dever, mesmo que se governe por ideias, em aspetos certos, radicais.

 

[originalmente ali]

Resultados Eleitorais

JFD, 26.05.14

Com abstenções recordes - saliente-se o caso extraordinário da Eslováquia onde a abstenção atingiu o valor de 87%, facto que jamais pode ser ignorado -, a Europa está nas mãos dos conservadores do PPE. Austeridade, fosso social, precaridade salarial, insegurança estrutural continuarão na ordem do dia. Por cá o Partido Socialista vence mas não é o vencedor da noite. A margem mínima que se traduz pela diferença de um eurodeputado significa que, de alguma forma, a campanha anti-Sócrates levada a cabo pela coligação CDS-PSD surtiu efeitos, e o baixo carisma de Seguro é ainda fator de peso. Os vencedores da noite são a CDU, sempre fiel a si mesma e por isso premiada pelo eleitorado que exige uma esquerda forte, e o MPT graças à figura popular de Marinho e Pinto. O outro derrotado da noite é o BE, sintoma de um fim de ciclo "bloquista", partido que vinha perdendo a sua expressão com a morte de Miguel Portas e com as saídas de Francisco Louçã, Daniel Oliveira, Joana Amaral Dias, Ana Drago e Rui Tavares. Ora, o partido deste último, o Livre, ficou pela metade dos votos do BE. Não sendo um resultado eloquente não deixa de permitir um balão de oxigénio para as próximas campanhas e lutas. A esquerda à esquerda do PS e à direita do BE e PCP tenderá a ganhar força. O mesmo pode ser dito do PAN, o partido das propostas budistas e da defesa dos animais faz o seu caminho de força sólida, coerente e séria. É uma força em expansão significativa. 

A instituição Referendo

JFD, 21.01.14

Pedro Marques Lopes, no "Bloco Central" da TSF, manifesta-se contra a instituição referendo. Representando a possibilidade de pronunciamento popular, através do sufrágio direto, o referendo constitui-se um instrumento importante de exercício democrático que em Portugal permanece como reserva absoluta. Denuncia Pedro Marques Lopes o uso abusivo do referendo em estados como da Califórnia, onde se referenda inclusive parques de estacionamento. Surpreende-me a reação negativa de PML em relação a tal instrumento político. Como sempre direi a eleição não faz de um governo absolutamente legítimo, até porque feitas as contas o executivo em exercício foi eleito por 30% dos portugueses, porque a abstenção é exatamente isso mesmo: abstenção e não concordância. 

Ao contrário de PML, considero que o referendo deveria fazer parte dos mecanismos correntes de governação, desde que os termos sejam claramente enunciados. Ao caso recente, oponho-me ao referendo, uma vez que a coadoção representa tão-somente a proteção legal de um dado já existente. Todavia, considero que em matéria vital o referendo não deve ser excluído mas antes promovido. E por matéria vital recordo a adesão à UE, à moeda única, ao Tratado de Lisboa, a intervenção da troika, a privatização do sistema de saúde, os cortes nas pensões, o Processo de Bolonha, e tantos outros. O referendo, de caráter obrigatório, é ainda uma responsabilização dos cidadãos perante o rumo do país. A República e a Democracia apontam nesse sentido, pelo menos da última vez que olhei os conceitos.

 

[também ali]

A Igreja de Francisco.

JFD, 03.12.13

Exortação Apostólica do Papa Francisco tornou-se num curioso campo de debate, colocando a «esquerda» e a «direita» a repensarem a sua leitura papal. A descoberta da Doutrina Social da Igreja por parte da Esquerda Europeia – bem a propósito do contexto político-económico-social vigente, numa época em que o desassossego é tão premente quanto real, e tão urgente quanto instrumentalizável – e o abanão dos alicerces ideológicos-cristãos edificados pela Direita Europeia são, na mesma medida, fatores risíveis, ou seriam, se na verdade não revelassem, per se, a longa cortina erigida entre a doutrina fundacional da Igreja e o seu longo discurso histórico a propósito da vida em sociedade.

 

A  Doutrina Social da Igreja nasce com a encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, a 15 de maio de 1891. Embora se constitua como uma data de  viragem das preocupação vaticanas a propósito do capital, do trabalho e da pobreza – em rigor sob as flores do maio de Das Kapital de Karl Marx  e como contrarresposta da Igreja, numa verdadeira lógica de «via alternativa» - ela apenas retoma –retenha-se – os primórdios doutrinários da Fé de Cristo.

 

Quer isto dizer, ipsis verbis, que doutrinariamente a Igreja sempre foi – reconhecendo o «realinhamento retrospetivo», recorrendo aos termos de Arthur Danto, e o respetivo cuidado necessário – de «Esquerda». Pelo menos naquilo de que a «Esquerda» é mais fundacional: a pobreza, a solidariedade, a igualdade, a liberdade, e a justiça equitativa. Não obstante, ao sabor dos contextos, e na promiscuidade entre a Santa Sé e o poder político, foi-se construindo a ideologia da Igreja. Portanto, enquanto dogmaticamente a Igreja é por definição de «Esquerda», o seu substrato social foi e é de «Direita». Os meandros da realeza e do clero são bem prova disso. Ademais, as oposições da Igreja aos métodos contraceptivos, às relações homossexuais, ao aborto, etc., não têm necessariamente a ver com a Doctrina Christiana mas antes com modelos de sociedade construídos nas margens do Advento Messiânico. 

 

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Palavra de Bernardino.

JFD, 12.11.13

Numa entrevista ao jornal 'Público', Bernardino Soares, atual Presidente de Câmara de Loures, colocou de parte a hipótese de um dia ser líder do PCP, exprenssando-o nos seguintes termos: «A legitimidade eleitoral não tem nada a ver com isso. Para ser secretário-geral do PCP é preciso um conjunto de características que o Jerónimo de Sousa tem e que, porventura, outros camaradas meus terão também. Essa questão não se põe em relação a mim. Eu nunca pus a hipótese». Nas entrelinhas lemos toda a lógica do PCP. Não é uma questão de qualidade mas de características e, já agora, de antiguidade, esqueceu Bernardino de referir. A antiguidade ainda é um posto no mundo vermelho. O que é lamentável, quando o PS vive dias de amargura identitária, entre o cá e o lá da esquerda lusitana e dos entroikados, o BE permanece como um partido de rua e a esquerda precisava de um PCP renovador, não apenas bem firmado nas suas estruturas filosóficas de apoio ao proletariado, mas também ativo e adaptado à realidade social, cultural e política nacional, com uma dimensão abrangente capaz de ser a esquerda que a esquerda precisa, e não a esquerda que desconforta o eleitorado da esquerda moderada (leia-se não radical). 

O nosso tempo ao raio-x

JFD, 17.10.13

O período de incerteza que vivemos, em que o horizonte está bacento e imperceptível não é, contudo, difícil de explicar. As crises, todos sabemos, são cíclicas. Ao longo do séc. XX as mesmas foram resolvidas com guerras e consequentes planos de recuperação, dinamizando a economia e reerguendo a Europa a partir das cinzas. Hoje, diante do perigo do armamento nuclear, químico e de uma política de cooperação multilateral as guerras fazem-se na banca, na especulação e no mercado liberal. A emergência de novas potências, os acordos alemães, franceses e norte-americanos de exportação de tecnologia e da indústria automóvel obrigaram o Ocidente a abrir as portas aos produtos chineses a custos baixíssimos em função de uma mão-de-obra neo-escrava. As indústrias europeias foram, assim, assassinadas em favor de uma política temporária de um grupo de países.

A formação da União Europeia trouxe uma política agrícola e das pescas que, fabricada em Bruxelas, estrangulou as economias dos países do sul da Europa, com Portugal em particular enfoque. Os fundos europeus destinados ao desenvolvimento técnico foram distribuídos em compadrios e gastos levianamente, em automóveis, casas, estradas mil, equipamentos desportivos e culturais sem públicos, e tantos outros projetos loucos. Os bancos fomentaram o despesismo das famílias e empresas, à sombra de um paradigma de que o crescimento impõe a existência de dívida. Veio depois uma moeda única, que tratou a Europa como unidimensional e empurrou a esmagadora maioria dos países europeus para o sobreendividamento com um custo de vida insuportável - entre o escudo e o euro passámos a pagar o dobro e a ganhar o mesmo de sempre. 

Vinte anos volvidos de um capitalismo louco, de uma globalização desregulada, de projetos e ideologias tontas, estamos enterrados até ao pescoço. A austeridade que começou por ser a mãe de todas as virtudes - uma mãe com alzheimer que não sabe que a austeridade requer desvalorização monetária - rapidamente foi compreendida como a mãe de toda a miséria pelo FMI. A troika dos bancos e dos interesses alemães, contudo, mantém-se. O empobrecimento generalizado como projeto é cada vez mais claro, oferecendo aos países nobres da Europa mão-de-obra qualificada a preços de saldo. Enquanto isso os governos como o português caminham triunfantes para o suicídio. Ao menos afundam-se com orgulho. Os culpados da loucura dos anos 90 mantém-se nos governos e falam como se não tivessem estado lá. O povo esquece-se de tudo, a bem da euforia das campanhas, e volta a elegê-los. 

Sem dúvida que dentro de vinte anos - ou assim espero - os tempos que vivemos serão estudados como de loucura, em que os Estados condenaram as populações para salvar a banca, os bancos e determinados setores previligados e patrocinadores das campanhas. 

 

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Camilo Lourenço e o Orçamento de Estado

JFD, 16.10.13

Ouvi Camilo Lourenço, na "Cor do Dinheiro", dizer que o OE é duro mas que é preciso cumprir a qualquer custo. Que as pessoas têm de entender que o Estado tem de cortar na despesa. Tudo bem, aceito. Gostava era de ouvir Camilo Lourenço falar das PPPs, dos setores protegidos do Estado, da banca, dos bancos, etc. Aí não toca. Um comentador económico que não toca nos "intocáveis" não é um comentador, é um assessor ministerial. Para isso já temos as comunicações do governo ao país. 

Os isaltinos que merecemos

JFD, 30.09.13

Os erros governativos, a corrupção no poder central e local, as leis feitas nas escondidas, etc., não são apenas culpa da classe dirigente. O eleitorado chamou para si a culpa, e não pequena, quando abriu mão do seu papel de vigilante da Democracia e prefere, em plena noite eleitoral, assistir a mais uma edição da Casa dos Segredos. Temos os isaltinos que merecemos.


Alemães deixam Europa na Merkel

JFD, 23.09.13

Os alemães votaram no que é melhor para eles, e neste momento o melhor para a Alemanha é a continuação de Angela Merkel. Infelizmente para o resto da Europa a continuidade da Chanceler, ainda para mais tão perto da maioria absoluta, é o pior dos resultados. O cenário fica mais negro com a iminente saída do FMI da troika, deixando esta entregue ao Banco Central Europeu e à Comissão Europeia, ambas estranguladas pelo projeto germânico. O capitalismo selvagem edificado sobre o umbigo do sistema bancário mantém-se, até ao extermínio final das sociedades em redor do espaço vital alemão. Uma repetição contínua a da história. 

 

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Vício de Forma

JFD, 03.09.13

Quando um primeiro-ministro profere uma declaração, de alto teor populista, indagando se "já alguém perguntou aos mais de 900 mil desempregados do que lhes valeu a Constituição?", isto significa que estamos a atravessar um velho rio em direção ao passado. Nessa lógica, nem um Estado de Direito tira a fome ou cura o cancro. E porque a Liberdade também é um hábito que se perde, no final ela não garante empregos ou segurança. Exato, Dr. Salazar, perdão, Passos Coelho. 


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