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Risco Contínuo

Estrada dos bravos, blog dos livres

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Movimento Monárquico: “Entre a Nostalgia e a Necessidade de uma Acção Política Concreta"

José Aníbal Marinho Gomes, 21.01.25

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O movimento monárquico, enquanto proposta de alternativa para Portugal, enfrenta desafios que derivam em grande parte de uma incompreensão crítica do seu verdadeiro papel na sociedade contemporânea. Entre os seus defensores, surge frequentemente a ideia de que o movimento não é nem deve ser um partido político, o que é correcto, mas tal afirmação não pode ser um álibi para evitar a acção política. Afinal, uma causa que visa um sistema político alternativo não pode deixar de ter uma dimensão política, por mais que se queira vestir de abstração ou distanciamento.

Este paradoxo leva-nos à primeira grande fragilidade do discurso de alguns monárquicos: a recusa em definir o que significa essa actuação política. Não basta afastar-se dos moldes partidários tradicionais; é necessário explicar como se pretende influenciar a sociedade de forma concreta e prática. Sem esta clareza, o movimento monárquico cai numa indefinição que o condena a um papel irrelevante no cenário político nacional.

O Movimento Monárquico tem de ter intervenção política, designadamente sobre temas transversais à sociedade portuguesa. Não pode limitar-se apenas a jantares convívios, frequentemente realizados em espaços fechados e elitistas como clubes privados, inacessíveis ao grande público. Deve sair desse isolamento e realizar iniciativas públicas abertas a todos os cidadãos, promovendo um verdadeiro diálogo com a sociedade portuguesa e tornando a causa monárquica mais visível, inclusiva e mobilizadora.

Não há qualquer contradição entre defender a monarquia e abordar problemas concretos que afectam o quotidiano dos portugueses. Se, por exemplo, Portugal enfrenta um verão devastador com centenas de incêndios florestais, as estruturas monárquicas não podem manter-se em silêncio. Ter uma posição sobre a prevenção e o ordenamento florestal — temas essenciais para o desenvolvimento sustentável do país — não significa tornar-se um partido político. Significa, isso sim, demonstrar relevância e compromisso com o bem comum.

O mesmo se aplica às alterações climáticas, um desafio que tem impacto directo na vida dos portugueses, desde os agricultores que enfrentam seca extrema até às zonas costeiras ameaçadas pela erosão. O Movimento deve intervir com propostas sérias e estruturadas, que mostrem como uma monarquia moderna poderia liderar de forma responsável na protecção ambiental, no uso eficiente dos recursos e na promoção de energias renováveis.

Outro exemplo concreto é a agricultura e o mundo rural, que sofrem com o abandono e a falta de políticas consistentes. O movimento monárquico pode e deve ter uma palavra a dizer sobre o apoio à agricultura familiar, a revitalização das aldeias e a gestão equilibrada do território. Estas questões têm impacto directo na coesão nacional e são áreas onde a monarquia poderia apresentar soluções pragmáticas e inspirar confiança nos cidadãos.

É importante reconhecer que o movimento monárquico perdeu, em grande parte, a cultura de militância e intervenção política que marcaram outras fases da sua história. Nos anos seguintes a 1974, houve experiências de militância monárquica organizada, como a Juventude Monárquica Revolucionária (primeira designação da Juventude do PPM), ou o Partido Popular Monárquico (PPM) ── nos quais com muito orgulho militei. Embora o contexto actual seja diferente, há lições valiosas a retirar desse período, nomeadamente no que diz respeito à capacidade de intervenção e mobilização.

Além disso, é relevante destacar que muitos monárquicos, ao longo dos anos, também militaram e militam em partidos políticos, como o CDS, PSD, PS e MPT-Partido da Terra. Esta experiência de intervenção e combate político em diferentes contextos partidários proporcionou-lhes uma bagagem de conhecimento e prática que, em muitos casos, falta a grande parte dos actuais dirigentes monárquicos. A vivência em partidos com estruturas e dinâmicas de mobilização mais amplas e a participação activa no debate político nacional conferem uma perspectiva estratégica que é muitas vezes negligenciada no movimento monárquico actual, mas que poderia ser decisiva para a sua renovação e fortalecimento.

Muitos monárquicos abandonaram a ideia de um partido monárquico, e bem, porque, assim como eu, entenderam que um Movimento Monárquico é mais abrangente do que a lógica partidária. No entanto, os anos de militância num partido monárquico trouxeram a alguns de nós experiência de organização, comunicação e mobilização que hoje fazem falta à maior parte dos responsáveis monárquicos. É esta experiência que urge recuperar e adaptar às exigências do presente. O movimento monárquico precisa de dirigentes e militantes com capacidade para intervir publicamente, para organizar eventos mobilizadores e para comunicar eficazmente as suas propostas.

Além disso, há uma questão essencial que não pode ser ignorada: como é que o movimento monárquico pode divulgar a figura do Duque de Bragança e da Família Real Portuguesa se continuar fechado em si mesmo? Se as actividades se limitam a eventos restritos e sem projecção pública, como é que se espera que a sociedade portuguesa conheça e valorize a Casa Real Portuguesa? A resposta é evidente: é necessário abrir o movimento ao exterior. Organizar eventos em praças públicas, promover debates abertos, campanhas de sensibilização e iniciativas de carácter social são formas eficazes de aproximar a monarquia das pessoas. A figura do Duque de Bragança deve ser associada a estas acções, posicionando-o como um líder próximo, acessível e preocupado com os problemas reais do país.

A segunda debilidade de alguns monárquicos é a recorrência de um discurso excessivamente defensivo. Alega-se que os resultados obtidos não são satisfatórios por vários factores, com uma nota de resignação face à falta de mobilização popular. Este tipo de justificação é, em si mesma, um reflexo do problema. É fácil atribuir os insucessos a causas externas ou ao contexto, mas é necessário ir além disso e questionar com seriedade o que está a ser feito — e como poderia ser feito melhor. O movimento monárquico necessita de autocrítica e de um diagnóstico claro dos seus erros: é preciso apontar falhas nos métodos, nos discursos e nas estratégias usadas para atrair os cidadãos e cativar uma base popular consistente.

Outra limitação significativa é a dependência excessiva de uma visão idealizada do passado. O argumento de que a monarquia traria estabilidade e representa uma continuidade histórica carece de sustentação concreta quando transposto para o século XXI. A evocação de “reis que construíram Portugal” ou de figuras emblemáticas não responde às necessidades e desafios do presente. A sociedade moderna pede soluções pragmáticas e uma relação de proximidade com os problemas reais, não apenas uma apologia nostálgica que, por vezes, parece desconectada do presente.

Por fim, a aposta em cenários hipotéticos ou em histórias alternativas, é uma distração perigosa. Embora a ficção histórica tenha o seu valor como exercício cultural ou intelectual, não pode substituir uma proposta séria de intervenção no presente: o que pode e deve ser feito agora. A política, afinal, não se constrói com base em fatalismos ou em cenários alternativos, mas em acções concretas e realistas.

Em conclusão, a causa monárquica tem o potencial para contribuir para o debate político nacional, mas isso só será possível quando ultrapassar as suas ambiguidades e apresentar uma visão clara, pragmática e mobilizadora. A nostalgia e o discurso defensivo não chegam. É necessário olhar para a frente, assumir os desafios da actualidade e apresentar soluções que convençam os portugueses de que a monarquia é, de facto, uma alternativa credível e desejável.

 

* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico de 1990.

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