Casa da Baldrufa: património à espera de cair?

A Casa da Baldrufa, à entrada da vila de Ponte de Lima, encontra-se hoje votada ao abandono. Um imóvel senhorial com um importante valor histórico e identitário vai-se desfazendo perante os olhos de todos: paredes que cedem, janelas abertas ao vento e à chuva, vegetação a cobrir fachadas outrora nobres e um telhado em risco iminente de ruína.
Não será legítimo perguntar: estará alguém à espera que o telhado colapse por completo, para então justificar a sua demolição e substituí-la por mais um prédio vulgar de habitação? Se tal suceder, não estaremos apenas perante uma operação imobiliária, mas perante a destruição deliberada de um pedaço da memória limiana.
O percurso deste imóvel mostra como se foi adiando, década após década, a sua valorização. Em 18 de Novembro de 1994, foi aberto o processo de classificação da Casa e Quinta da Baldrufa, reconhecendo-se a sua relevância patrimonial. Em 2001, após a morte do seu proprietário, a casa encontrava-se à venda e chegou a existir um projecto para a converter em estalagem, solução que poderia ter garantido um futuro digno ao edifício. Contudo, nada avançou.
Entretanto, em 26 de Setembro de 2012, foi publicado em Diário da República o Anúncio n.º 13474/2012, determinando o arquivamento do processo de classificação, sob o argumento de que o imóvel não teria valor de âmbito nacional. Mas nesse mesmo anúncio ficou escrito, de forma clara, que seria mais adequada a sua classificação como de interesse municipal.
E é aqui que a pergunta se impõe: por que razão a Câmara Municipal de Ponte de Lima não seguiu a recomendação constante desse anúncio oficial? Como é possível que, passados mais de dez anos, nada tenha sido feito para proteger este imóvel?
Entretanto, a Casa da Baldrufa foi novamente vendida (não sendo possível precisar o ano) e encontra-se actualmente na posse de um novo proprietário, com conhecidos interesses imobiliários. Desde então, não se vislumbra qualquer plano de reabilitação ou salvaguarda, apenas o lento definhar de uma casa que pertence à identidade colectiva limiana.
Importa ainda referir que no espaço exterior da Casa da Baldrufa se encontra um cruzeiro quinhentista, oriundo da freguesia de Brandara. Embora não pertença originalmente à casa, a sua permanência no local deve ser garantida, quer pelo valor histórico que encerra, quer para que não se repita o que já aconteceu com o fontenário barroco de espaldar alto, que se encontrava no jardim atrás da casa, proveniente da Casa da Cachadinha, em Rebordões Souto, e que desapareceu, desconhecendo-se o seu paradeiro. Ao contrário destes elementos deslocados, destaca-se ainda a existência de um portal do séc. XVII, esse sim originário da casa.
Assim, a preservação destes elementos é essencial para salvaguardar a integridade e autenticidade do conjunto patrimonial.
A Casa da Baldrufa pertenceu, por aquisição, ao Dr. António Vasconcelos Porto, que fez de Ponte de Lima a “terra do seu sonho”, razão pela qual decidiu adquirir esta casa, onde viria a residir. Como escritor, usou o pseudónimo de António Porto-Além. Conceituado poeta, a sua obra poética, de grande perfeição formal e beleza metafórica, é constituída por vinte e oito livros, publicados entre 1932 e 1995. Faleceu nesta casa a 4 de Abril de 2000. Era também um reconhecido colecionador de arte barroca — mobiliário, louças e outras peças — e chegou a idealizar a criação de uma fundação, cuja curadoria, após a sua morte, ficaria a cargo da Câmara Municipal de Ponte de Lima. Contudo, tal como o próprio imóvel, também este espólio se perdeu, por não ter a autarquia nos 90, demonstrado qualquer interesse ou iniciativa que garantisse a sua preservação e valorização. Esperemos, pois, que agora não se repita um erro semelhante e que este património não desapareça, deixando mais uma vez a memória colectiva à mercê da negligência.
Se o Estado concluiu que a Casa da Baldrufa não tinha interesse nacional, caberia ao Município assumir a sua responsabilidade e classificá-la como Imóvel de Interesse Municipal. Não o fazer equivale a deixar morrer a memória de uma terra que se orgulha de ser uma das mais antigas de Portugal, mas que permite que o seu património desapareça perante a indiferença geral.
Estamos em plena campanha autárquica. É tempo de exigir compromissos sérios, que passem das palavras aos actos. A Casa da Baldrufa deve ser preservada, reabilitada e integrada no futuro cultural e turístico de Ponte de Lima.
Permitir que esta casa se desfaça é aceitar que a identidade limiana se apague, pedra a pedra. A decisão é simples e inadiável: ou se age agora, com coragem e sentido de dever, ou seremos cúmplices da morte lenta de mais um pedaço da nossa história colectiva.
