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Risco Contínuo

Estrada dos bravos, blog dos livres

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As Cronicas da Nau Catrineta

Sónia Ferreira, 15.02.19

 

Parte 1

“Brandos Costumes”

Estava eu de visita a uns amigos emigrados na Alemanha (desses qualificados em quem o Estado Português investiu e que tiveram de sair do país para ir beneficiar uma qualquer outra economia), quando tive aquilo a que, de forma comum, se apelida de “wake up call” ou chamamento.

Neste caso não foi um chamamento religioso (podia ter sido), mas sim um chamamento político (nem sabia que isso existia!).

Estavamos euforicamente a jantar, num daqueles restaurantes tradicionais da Baviera, onde a cerveja local flui como água num rio, abrindo canais de conversação que de outra forma dificilmente se soltariam. Lá comecei eu, enebriada pelo orgulho das minhas origens, a descrever aos conterrâneos germânicos as maravilhas que Portugal tinha para oferecer. E logo ali se iniciou uma disputa: eu dizia bacalhau e eles chucrute, eu dizia porco preto e eles bratwurst e por aí fora.

Até que, quando a conversa atingia o seu pico com as conquistas futebolisticas e outras tantas medalhas, um dos nativos interrompe sabiamente o meu discurso empolgado e questiona:

- Mas se Portugal é isso tudo, e eu acredito que sim, porque é que não corre bem? Porque é que estão sempre a pedir dinheiro?

Foi como um golpe. Seguiu-se o meu silêncio. Perturbada. Envergonhada. Como a criança que acaba de receber um ralhete dos pais em pleno recreio da escola à frente dos amigos.

- Não sei. – respondi. - Não sei porque não corre bem. Mas eu gostava que corresse.

- E então?   - Novamente o silêncio constrangedor.

- Acho que não corre bem porque somos um país de “brandos costumes”. – A minha resposta caiu como uma pedra atirada a um lago, formando circulos que se afastam lentamente.

Como se explica a um europeu do norte da Europa o que são “brandos costumes”?

Como se explica a dormência de um povo que deixou de ver nos políticos os seus representantes e a sua voz?

Como se explica a inacção e a passividade?

Como se explica sermos testemunhas da nossa própria ruina e reagir com um encolher de ombros?

Não se explica. Tentar explicar chega a ser ofensivo. Como servir posta mirandesa a um Hindu ou pedir a um vegetariano celíaco que prove tripas enfarinhadas.

“Brandos Costumes” é expressão que, ou não se entende, ou causa asco.

Nesse dia, o sono tardou em chegar. Senti-me envergonhada sim, mas mais que isso senti-me responsável pelo estado em que se encontra o meu país e senti que de alguma forma se me mantivesse à distância, a assistir à degradação seria conivente com aquilo que criticava.

Votar só não chega.

Criticar só não chega.

Exultar as qualidades da cultura portuguesa não chega.

Era preciso mais.

Cansei-me dos “brandos costumes”.

Dias depois o avião aterrou em Lisboa.

Enquanto esperava pela bagagem, percorria as notificações do telefone. Uma notícia discreta sobre novas movimentações políticas fez-me levantar a sobrancelha.

 

O universo às vezes encarrega-se de nos alinhar no caminho…