A actriz Catarina Martins viu um filme que eu não vi!
No programa Linhas Vermelhas desta segunda-feira (4 de Novembro), ao referir-se à tragédia em Valência, Catarina Martins descreve a revolta popular contra as autoridades como um sinal de que a monarquia perdeu o respeito dos cidadãos e que o panorama político em Espanha está a mudar profundamente. Mas será esta leitura realmente fiel aos acontecimentos?
Catarina Martins afirma que “a raiva contra o Presidente do Governo já existia em Espanha, mas o que nunca tínhamos visto era também contra a monarquia”, sugerindo que esta rejeição popular revela uma transformação na percepção do papel da monarquia. Contudo, esta interpretação é um desvio do que realmente aconteceu em Valência e subestima as motivações das pessoas que ali se manifestaram.
O que eu vi foi uma população em sofrimento, que viveu dias de absoluta aflição após uma catástrofe e que se sentiu abandonada pelos governos regional e central, sem ajuda para satisfazer as necessidades mais básicas – água, eletricidade, segurança.
O falhanço das autoridades na resposta a esta crise, deixando os cidadãos sem o apoio essencial, fez crescer a indignação que, naturalmente, se manifestou quando viram a chegada de uma comitiva oficial, com toda a segurança e aparato, mas sem as acções concretas que esperavam. Estes sentimentos de revolta nada têm a ver com o facto de Espanha ser uma Monarquia, pois o que os valencianos mais esperavam era um apoio rápido, prático e eficaz, que demorou muito dias a chegar, e não visitas oficiais.
Além disso, o papel do Rei Filipe VI foi precisamente o oposto do que Catarina Martins sugere.
Enquanto Pedro Sánchez, presidente do governo de Espanha e, posteriormente, Carlos Mazón, presidente do governo regional (Generalitat Valenciana), fugiram do contacto directo com as pessoas, Filipe VI e a Rainha Letizia deram a cara e demonstraram uma postura de empatia e respeito. Abraçaram e consolaram algumas das vítimas, ouvindo o seu desespero e compreendendo o sentimento de revolta que as movia. Esta atitude, contrastando claramente com a fuga dos líderes políticos, reflete uma postura de responsabilidade e empatia, algo que deveria servir de exemplo para os representantes eleitos.
Outro ponto relevante é o papel da monarquia como instituição. Filipe VI não governa nem interfere na gestão do Estado -Rex regnat sed non gubernat-. A sua presença em Valência foi um gesto simbólico de apoio e respeito, típico do papel moderador da monarquia, que não detém funções executivas. Ignorar este facto é distorcer o contexto e a função constitucional da monarquia, que não é responsável pela acção ou inação do Governo.
A revolta que vimos não foi dirigida ao regime monárquico, mas sim a um governo que, segundo os habitantes de Valência, falhou em estar à altura das suas responsabilidades. A frustração era com a ausência de meios e com a demora na resposta às necessidades urgentes. Catarina Martins viu, portanto, um "filme" onde a monarquia seria o alvo da ira popular, quando na realidade a população expressava desespero pela falta de acções concretas, num momento em que precisavam de ajuda prática e rápida.
Assim, antes de transformar esta dor coletiva em argumento ideológico, é importante reconhecer que o povo de Valência protestava pela falta de apoio, e não contra a Monarquia.
Termino, felicitando a intervenção de Cecília Meireles que desmontou de forma inequívoca os argumentos de Catarina Martins, imbuídos de um republicanismo primário e desfasado da realidade.