Chamar os bois pelos nomes
Sobre os persistentes motins de Atenas muito se tem escrito e discutido. Quase sempre os fazedores de opinião tomam os tristes acontecimentos da capital grega como um aviso à navegação, desta Europa à beira duma recessão económica sem precedentes. A grande ameaça está no poder que vive na rua, diz-nos a História nas suas mais sangrentas e cruéis páginas.
Os materialistas e alguns cientistas sociais (o que quer que isso seja) apressam-se hoje a reclamar que os tumultos de Atenas se justificam numa perspectiva de “luta de classes” com uma geração agastada com o prenúncio de um novo ciclo económico, o primeiro negativo desde há muitas gerações. Essa conclusão parece-me precipitada, um wishful thinking dos sabichões do costume que nos desvia das mais profundas razões da decadência do “ocidente democrático”. Ora parece-me a mim que não consta que uma “geração”, um grupo etário, por natureza indistinto e heterogéneo, “pense” e muito menos possua “sentimentos”, reagindo como um corpo a quaisquer estímulos.
A mobilidade social hoje é uma realidade, uma conquista reforçada nos tempos modernos com o estado de direito, o liberalismo e o fim dos morgadios: numa família, uma geração ganha e perde poder de compra em relação à outra tendencialmente por força do empenho ou do demérito dos indivíduos. A decadência de famílias e de fortunas é um fenómeno perfeitamente vulgar dos quais conhecemos demasiados exemplos, e histórias. Os tempos que se aproximam serão de crise e de decadência para muitos, e naturalmente constituirão uma oportunidade para outros se destacarem e vencerem.
Relativamente aos motins de Atenas, quanto a mim o foco da análise não se deveria afastar da questão principal que reside na perda de autoridade do Estado: perante a realidade da natureza do homem, a democracia, o menos imperfeito dos regimes políticos, a ser viável, só o é com o exercício firme da autoridade, noção antagónica ao relativismo moral promovido pela cultura esquerdista que mina por dentro o sistema, numa lógica de "quanto pior melhor".
As rebeliões na Grécia começam com um caso de polícia e de delinquência juvenil que descamba desastrosamente por causa de uma crise profunda de autoridade do Estado. Sem que no entanto deixem de facto de constituir um caso de polícia e de delinquência juvenil.