Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Risco Contínuo

Estrada dos bravos, blog dos livres

Risco Contínuo

Estrada dos bravos, blog dos livres

Nevoeiro

Ana Vidal, 13.12.08

 

Numa sala gelada do belíssimo Palácio da Independência, ali ao Rossio, com cadeiras de plástico cedidas pela Câmara Municipal de Lisboa  (de tal maneira velhas e em mau estado que várias se partiram, fazendo cair no chão, com estrondo, alguns dos assistentes mais volumosos), assisti ontem ao lançamento de um CD curioso: "Mensagem - À Beira-Mágoa", de José Campos e Sousa.

 

São 18 poemas da Mensagem de Fernando Pessoa, musicados e cantados por  um bardo injustamente esquecido da nossa praça, cuja voz densa, bem colocada e cheia de belas ressonâncias ombreia sem vergonha com as dos grandes cantores franceses dos anos 60, Brassens, Ferré ou Reggiani. Foi bom ouvi-lo, nestes tempos de míngua identitária, sobriamente acompanhado pelo som dolente da sua própria viola e por aquela magnífica intensidade que há nas palavras de um Pessoa messiânico e visionário, apelando ao que de mais nobre temos, como povo.

 

De todos os poemas cantados no disco, destaco aqui Nevoeiro (o último poema da Mensagem), que me impressiona particularmente pela triste e arrepiante actualidade. Não sou de fatalismos nem de imobilismos saudosistas, mas é impossível negar a evidência: é assim que estamos de novo, ou talvez... sempre. Pessoa tem aquele raro dom de pôr-nos à frente um espelho, com implacável e inescapável clareza. Gostaria de acreditar que "é a Hora".

 

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,

Define com perfil e ser

Este fulgor baço da terra

Que é Portugal a entristecer.

Brilho sem luz e sem arder,

Como o que o fogo-fátuo encerra.

 

Ninguém sabe que coisa quere.

Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem.

(Que ânsia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

 

É a hora.

 

 

 

 

8 comentários

Comentar post