Ainda não li o acórdão do TC de ontem. Vou ler e vou ouvindo os comentários.
Mas creio que se deve sublinhar uma coisa: as matérias apreciadas estão num domínio em que não há provas (como no direito penal ou civil) e no qual os pressupostos e valores de quem aprecia são decisivos - a CRP não tem comandos claros para o legislador sobre a igualdade e até sobre a proporcionalidade, mas antes orientações sujeitas a interpretação; por outras palavras, são matérias em que não há "certo" ou "errado", mas visões diferentes, certamente respeitáveis. Há espaço para "calibrar" a igualdade e a proporcionalidade, a menos que sejamos todos reduzidos a números, vestindo a mesma roupa e vivendo em espaços iguais - e sabemos que resultado deram essas experiências de igualdade.
Daqui resulta que nem os juízes podem dizer que a interpretação deles está certa, nem ninguém pode dizer que ela está errada (pareceu-me de uma desmedida arrogância a frase do presidente do TC de que a CRP não se conforma à lei - sendo verdade, naquele contexto ele pretendeu dizer que a interpretação da maioria está "certa"); apenas se pode dizer que a posição que venceu foi a da maioria dos juízes.
De resto, o facto de não haver unanimidade em todas as matérias apreciadas revela que pessoas razoáveis e bem preparadas podem chegar a conclusões diferentes. E mesmo que haja unanimidade entre os juízes, daí não se pode concluir que todos os constitucionalistas razoáveis concluiriam de igual modo - e a prova está nas posições de Vital Moreira, insuspeito até por ser uma pessoa de esquerda.
É importante termos a noção de que é essencial haver um órgão que pare o debate e decida; e que as decisões nestas matérias nunca agradarão a todos.
Dito tudo isto, e ainda que me pareça que as decisões são objectivamente más para o país, ao obrigar a aumentos de impostos e inviabilizar reduções de despesas, podem gerar uma oportunidade: as pessoas vão sentir na pele - como diz Vital Moreira - que a alegria pela derrota do Governo se vai traduzir em aumentos de impostos para elas, e não é difícil que toda a gente perceba isso.
A seu tempo, e assumindo que muitos portugueses não serão masoquistas nem estúpidos, vai acabar por se tornar claro que é necessário rever a CRP para criar espaço excepcional para a actuação de um governo em situação de emergência financeira
Aliás, com a história portuguesa, estão de parabéns os que tanto se empenharam em fazer uma constituição tão "avançada" que não previu que também podíamos voltar a passar por uma bancarrota, mas previu o Estado de Sítio...