O Baú Contador de Histórias - um folhetim fatídico para crianças precoces e adultos infantis (1)
«Encontrar fatalidade é encontrar boa sorte/ encontrar harmonia é encontrar oposição», «Ao lusco-fusco o galo anuncia a aurora/ à meia noite, o claro sol» do Zenrin Kushu (Antologia de Poemas e Prosas Budistas)
«País pobrete e nada alegrete, baú fechado com aloquete», Alexandre O’Neill
«Um intelectual escreveu, ao nascer seu filho: as famílias, quando nasce um filho, desejam que ele seja inteligente. Eu, através da erudição, tendo arruinado a minha vida toda, desejo apenas que a criança se revele ignorante e estúpida. Então ela coroará a sua vida tranquila, tornando-se um Ministro de Estado». Confúcio
1. Aqui se contam as aventuras e desventuras de um anónimo baú de madeira (assim para o desbocado e com a mania das importâncias) e de Noé Silveira, um rapaz de ambições estadistas e zurrador de primeira linha (sem que uma coisa tenha forçosamente a ver com a outra).
Era um baú contador de histórias. Histórias de todos os tamanhos e de todos os feitios. Com lindas princesas lipoaspiradas de tranças loiras e longas, fruto de belas extensões, e esplêndidos bustos góticos de silicone; cavaleiros andantes e apeados, que a vida não estava para futebóis; fadas versadas no aconselhamento epistolar sentimental; tinhosos, sacripantas e políticos (e perdoem aqui a redundância); magos em licença de aposentadoria num planeta distante, e sem regime capitalista; fantasmas e almas penadas; bruxas sarapintadas, de saltos- agulha linha Charles & Chanel; empresárias de perfumaria e danadinhas para a brincadeira; profetas embusteiros e embusteiros profetas, o que não é bem a mesma coisa; filósofos que não pensavam em nada, e mesmo assim eram felizes da vida; clairvoyantes de nomeada, entre estes o Macário Macabro, vendedor de vassouras voadoras (de alta cilindrada); liberais e conservadores, sobretudo os da indústria atuneira; um pastor amoroso enamorado de um vitelo; o próprio Bambi, já em idade provecta e queixoso dos abusos do marquetingue; o Lobo Mau, por causa das cáries, da artrite, da ciática e da adesão ao PSP (Partido dos Sem Partido), deixado a sopitas de leite; além do Bwana Fridrico, ilustre pároco, povoador e provedor de nome pouco plausível conhecido nos quatro cantos do mundo (e alguns recantos desconhecidos) pelos seus métodos de conversão e uma bela carapinha loira, em faia. Isto tudo para dizer que, apesar das aparências, nenhuma das histórias (tirando uma só, para desenjoar) decorrerá num manicómio. Nem tão-pouco em Portugal, país onde nada acontece, ou melhor, onde tudo pode acontecer, mas só quando menos se espera.
(continua)