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Risco Contínuo

Estrada dos bravos, blog dos livres

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Estrada dos bravos, blog dos livres

Dr. Franciso Abreu e Lima

José Aníbal Marinho Gomes, 01.03.25

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O Dr. Francisco Maia de Abreu de Lima foi uma figura ímpar na história de Ponte de Lima, dedicando grande parte da sua vida ao serviço da comunidade limiana. Nascido a 27 de Maio de 1930 na Casa do Antepaço, freguesia de Arcozelo, Ponte de Lima, era o mais novo de três filhos de Gonçalo de Abreu de Lima e D. Maria Guilhermina de Abreu Pereira Maia. Iniciou os estudos primários em Ponte de Lima, completando-os em Coimbra, onde frequentou o Liceu D. João III e se licenciou em Direito pela Universidade de Coimbra. Destacou-se como jurista, político e, acima de tudo, como um fervoroso defensor do património cultural e histórico da sua terra natal. 

Casou-se a 19 de Setembro de 1959 com D. Maria Corina Amorim Vieira Lisboa, com quem teve três filhos: Gonçalo, Maria Francisca e Rita.

Iniciou a carreira profissional na área da Previdência Social, ocupando diversos cargos de direcção  na Administração Pública Central e Local, onde assumiu papéis de relevo no serviço público, incluindo as funções de Secretário do Ministro das Corporações e Previdência Social, bem como a presidência da Câmara Municipal de Ponte de Lima, após o que foi nomeado Presidente da Direcção do Centro Regional da Segurança Social de Viana do Castelo.

Em Ponte de Lima, destaca-se o apoio que prestou às inúmeras pessoas que o procuravam em busca de emprego antes de 1974.

Que o digam as centenas de pessoas que recorreram à sua ajuda nessa época, quando desempenhava funções como Secretário do Ministro das Corporações e Previdência Social. Muitos foram aqueles que beneficiaram do seu auxílio, sempre prestado com dedicação e um profundo sentido de missão de ajuda ao próximo.

Entre 1986 e 1990, foi eleito como independente pelo CDS para a presidência da Câmara Municipal de Ponte de Lima. Embora não tenha mantido filiação partidária, sendo assumidamente monárquico, filiou-se apenas na Causa Monárquica. Durante o seu mandato, promoveu diversas iniciativas culturais e sociais em benefício da comunidade limiana. Destacou-se pela sua postura de diálogo e cooperação, aprovando todas as propostas apresentadas pela vereação, desde que fossem benéficas para o concelho, independentemente da força política que as propusesse.

Um dos momentos mais marcantes da sua gestão foi a decisão de encerrar ao trânsito as pontes romana e românica, permitindo apenas o acesso pedonal. Apesar da forte contestação popular e política na altura, esta medida revelou-se visionária, transformando a ponte num dos ex-libris de Ponte de Lima.

Ciente das implicações políticas da sua decisão, manteve-se firme na sua convicção, mesmo sabendo que isso poderia custar-lhe a reeleição. De facto, recandidatou-se à Câmara Municipal, mas acabou por perder as eleições de 1989 devido à impopularidade desta medida. No entanto, nunca se arrependeu da decisão, pois hoje a ponte é um dos locais mais icónicos da vila de Ponte de Lima, proporcionando um espaço seguro e agradável para todos os que a visitam e nela passeiam.

De igual, um dos marcos mais significativos do legado do Dr. Abreu de Lima foi a sua iniciativa na criação de uma estátua em homenagem a D. Teresa, fundadora de Ponte de Lima. Segundo o próprio Dr. Abreu de Lima, a ideia surgiu de uma conversa com o Sr. Amândio de Sousa Vieira, que desde então se dedicou incansavelmente a concretizar esse objetivo e contribuiu, de forma inestimável, para a valorização histórica desta figura através da publicação do seu livro Rainha D. Teresa: «...e fez Vila o lugar de Ponte», uma obra de referência que aprofunda e enaltece o legado da fundadora de Ponte de Lima.

Após essa conversa, decidiram apresentar a ideia ao Embaixador João de Sá Coutinho, Conde de Aurora, que prontamente aceitou integrar a iniciativa. Assim, de forma espontânea, constituiu-se a comissão "ad-hoc" responsável por erigir uma estátua digna de D. Teresa.

Um dos passos mais acessíveis desta missão foi o contacto com o Presidente da Câmara, Eng.º Daniel Campelo, a quem foi solicitada colaboração, garantindo que os custos do projecto seriam cobertos por uma subscrição pública, sem encargos para a autarquia. O Eng.º Daniel Campelo acolheu prontamente a iniciativa e assegurou o apoio municipal, nomeadamente através da disponibilização de serviços administrativos, como dactilografia e despesas de correio. A Câmara Municipal também contribuiu para algumas despesas de menor valor que se revelaram necessárias ao longo do processo.

Esta comissão contou também com a colaboração do escultor Luís Valadares, do então Presidente da Câmara Municipal, Eng.º Daniel Campelo, do artesão limiano José Manuel Armada, responsável pela criação da coroa da estátua e pelo selo do documento que a D. Teresa tem na sua mão direita.

A construção da estátua foi um processo cuidadoso e minucioso, como me disse o próprio Dr. Abreu de Lima. Para além dos esforços da comissão, houve um envolvimento significativo da comunidade e de mecenas que acreditaram na importância deste tributo. A concretização deste projecto não teria sido possível sem o apoio desses beneméritos, cujo contributo foi essencial para tornar a iniciativa uma realidade. Entre eles, destaca-se o próprio autor destas linhas, refletindo o espírito comunitário e o compromisso dos cidadãos de Ponte de Lima em preservar e honrar a sua rica herança cultural. A estátua foi inaugurada a 4 de Março de 2002, data simbólica para Ponte de Lima, e marcou um momento histórico na valorização do passado da vila.

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Foi neste dia que teve lugar o lançamento de um pequeno livro da minha autoria, “D. Teresa e a Vila de Ponte: Alguns Subsídios Biográficos e Históricos”, que de alguma forma contribuiu para o conhecimento da história de Ponte de Lima e da sua fundadora.

Em Ponte de Lima, foi também prestada uma primeira homenagem pública a D. Teresa em 1993, com a abertura de um bar na Rua do Bonfim, baptizado de D. Theresa, do qual fui um dos proprietários. Este espaço, embora hoje já não exista, representou um marco simbólico na valorização da rainha e do seu papel na história da vila.

O Dr. Francisco Maia de Abreu de Lima ficará para sempre na memória colectiva dos limianos pelo seu contributo inestimável ao desenvolvimento da vila. Dada a sua dedicação, seria justa uma homenagem por parte da Câmara Municipal, sendo uma das possibilidades a sua inclusão na toponímia de Ponte de Lima.

Visionário e profundamente comprometido com a preservação da história local, o Dr. Abreu de Lima dedicou-se ao planeamento das comemorações dos 900 anos da concessão do foral a Ponte de Lima por D. Teresa, que vão ocorrer no dia 4 de Março de 2025. Defendia, ainda, que o feriado municipal de Ponte de Lima fosse alterado para essa data, bem como propôs a criação de uma moeda comemorativa alusiva ao nono centenário do foral.

Além disso, o Dr. Francisco Abreu de Lima desejava que a cerimónia decorresse com honras militares, prestando o devido tributo ao simbolismo e à importância do momento, e que estivessem presentes as ordens de cavalaria, bem como Sua Alteza Real, o Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança.

Infelizmente, o destino não lhe permitiu estar presente nesta data tão aguardada, pois faleceu na sua residência, a Casa do Antepaço, na freguesia de Arcozelo, a 18 de Abril de 2023, antes de poder testemunhar as celebrações que tanto idealizou.

Em diversas ocasiões, o Dr. Abreu de Lima manifestou-me o seu profundo desejo de participar nas comemorações do nono centenário da vila. O seu entusiasmo e dedicação eram inegáveis, e aguardava com grande expectativa a concretização das iniciativas que ajudou a idealizar para assinalar esta data histórica.

O legado do Dr. Francisco Maia de Abreu de Lima perdura em cada pedra da vila, na memória colectiva dos limianos e nas celebrações que marcam os 900 anos do foral. A sua dedicação incansável serve de inspiração para as gerações futuras, lembrando-nos da importância de valorizar e preservar a história e cultura locais.

 

“Não se arranjam outros candidatos?”

José Aníbal Marinho Gomes, 24.02.25

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Miguel Sousa Tavares, em artigo de opinião publicado a 13 de Fevereiro no Jornal “Expresso”, intitulado “Não se arranjam outros candidatos?”, apresenta uma crítica mordaz ao estado actual da política portuguesa, nomeadamente ao processo de selecção de candidatos à Presidência da República e à degradação da qualidade dos seus protagonistas. Através de um tom irónico e sarcástico, questiona se a democracia republicana, tal como está a ser exercida em Portugal, ainda se pode considerar uma vantagem face a um sistema monárquico. Esta provocação sugere um desencanto com a forma como os líderes políticos são escolhidos e como se apresentam ao eleitorado.

Sousa Tavares aponta para a pobreza das opções presidenciais, sublinhando que a abundância de candidatos não significa necessariamente qualidade. A crítica estende-se desde figuras políticas tradicionais, como Marques Mendes ou António Vitorino, até opções improváveis, como Cristina Ferreira. Ou seja, esta realidade desvirtua o princípio republicano de escolha democrática, pois não oferece ao eleitorado alternativas verdadeiramente inspiradoras ou qualificadas.

Esta perspectiva soa com uma crítica monárquica tradicional: a ideia de que a escolha de líderes através do voto pode resultar não nos mais capacitados, mas nos mais populares ou mais habilidosos na arte da retórica e do jogo político. Em contraste, a monarquia oferece um chefe de Estado preparado desde cedo para a sua função, afastado das lutas partidárias e das flutuações do humor eleitoral.

A segunda parte do artigo aborda casos recentes de escândalos políticos e judiciais, nomeadamente no partido Chega, que Sousa Tavares descreve como um fenómeno de crescimento descontrolado, sem critérios rigorosos na seleção dos seus representantes. A referência a figuras como o deputado envolvido em crimes de pedofilia e a associação a elementos de extrema-direita reforçam a visão de que há uma degradação no perfil ético e moral dos políticos em ascensão.

A crítica aqui exposta não se restringe ao Chega, mas a um problema estrutural da democracia portuguesa: a falta de mecanismos eficazes para impedir que indivíduos moralmente questionáveis cheguem a posições de poder. Neste ponto, é meu entendimento que a estabilidade institucional de uma monarquia constitucional evitaria tais situações, uma vez que a figura do chefe de Estado estaria acima de tais disputas e seria um garante de valores éticos e históricos, não estando dependente de ciclos eleitorais ou da volatilidade dos partidos políticos.

Miguel Sousa Tavares expande a sua análise para a cena internacional, abordando o papel da Europa face aos desafios impostos pelos Estados Unidos e pela China. A menção a Emmanuel Macron como um dos poucos líderes europeus capazes de apresentar uma visão estratégica para o futuro da União Europeia contrasta com a falta de ambição e visão que o autor identifica na política portuguesa.

A nível interno, esta questão remete novamente para a ideia de liderança e representatividade. Sousa Tavares parece sugerir que Portugal carece de figuras de autoridade com visão de longo prazo e capacidade de decisão independente. No contexto de um regime monárquico, um chefe de Estado que não esteja sujeito a ciclos eleitorais e interesses partidários desempenha um papel mais eficaz na definição de directrizes estratégicas para o país.

Por último foca-se na política externa, criticando a postura da União Europeia em relação aos Estados Unidos, bem como a diplomacia portuguesa no conflito israelo-palestiniano. Sousa Tavares denuncia a hipocrisia dos líderes europeus, que adoptam discursos politicamente correctos, mas falham em tomar posições concretas e coerentes.

Aqui, o autor reforça um argumento que pode ser interpretado como uma crítica mais ampla ao modelo democrático ocidental: a prevalência do oportunismo e da falta de coragem política em detrimento de princípios claros. Novamente, vejo esta crítica como um ponto a favor de um modelo monárquico, na medida em que um chefe de Estado não sujeito a pressões eleitorais poderia manter uma posição mais consistente e independente.

Desconheço se o artigo de Miguel Sousa Tavares é ou não uma defesa explícita da monarquia, mas levanta questões que um monárquico pode facilmente utilizar para argumentar a favor do seu sistema preferido. A crítica ao actual estado da democracia portuguesa – desde a falta de liderança inspiradora, passando pela degradação da qualidade dos políticos, até à hipocrisia da política internacional – pode ser interpretada como um sintoma de um regime que não está a produzir os melhores resultados para a nação.

A provocação do autor – “será que não seria melhor vivermos em monarquia?” é um reflexo do seu desencanto com o estado actual da política. No entanto, para um monárquico como eu, esta provocação é um convite para um debate mais profundo sobre os méritos comparativos da monarquia e da república. Afinal, se a escolha democrática nos leva sistematicamente a líderes medíocres ou eticamente questionáveis, não faria sentido considerar uma alternativa que privilegiasse a estabilidade, a formação contínua e a neutralidade política no mais alto cargo do Estado?

 

O Veto de Marcelo e a Hipocrisia da Ética Republicana: Um Ataque à Democracia Local

José Aníbal Marinho Gomes, 13.02.25

A propósito do veto presidencial à reposição das freguesias determinada por decreto -- subscrito por PSD, PS, BE, PCP, Livre e PAN, o meu Amigo e companheiro de ideias, Porfírio Pereira da Silva, escreveu hoje na sua página do Facebook, o seguinte: 

"Estamos na "República das Bananas". Falta de transparência e imparcialidade há, isso sim, na luta partidária pela CADEIRA DE BELÉM. O Memorando da Troika (Memorando de entendimento sobre condicionalismos específicos sobre política económica) era bem claro nas suas exigências, a propósito das medidas a adotar pelo governo para aumentar a eficiência e a relação custo-eficácia da administração pública: «3.43. Reorganizar a administração do governo local. Existem atualmente cerca de 308 municípios e 4.259 freguesias. Em Julho de 2012, o governo vai desenvolver um plano de consolidação para reorganizar e reduzir significativamente o número de tais entidades. O Governo vai implementar esse plano com base em acordo com o pessoal da CE e do FMI. Estas mudanças, que entrarão em vigor no início do próximo ciclo eleitoral local, vão melhorar o serviço, aumentar a eficiência e reduzir custos.» PORQUE NÃO TOCARAM NOS MUNICIPIOS? Talvez faça falta um pouco de cultura política nos políticos deste país. Atentem ao que escrevemos no nosso livro BALIZA TRÁGICA DE UM NAUFRÁGIO, editado em 2015: «...O professor universitário de Direito, Carlos Abreu Amorim, dado que, algumas vezes, concordavam com as suas bem fundamentadas e elaboradas argumentações, porque eram (em algumas circunstâncias) consonantes com os seus ideais democráticos, mas que os viria a dececionar ao tomar posições favoráveis à defesa das trapalhadas políticas de Miguel Relvas. (p. 136) [...] A nossa maior deceção presente vai no sentido de ele se permitir ao facilitismo – com que facilidade se tornou no “correio-mor” na defesa da licenciatura fantoche de Miguel Relvas – de se augurar em defesa da reorganização administrativa territorial, quando ao tempo do governo de Sócrates se vangloriava de “profeta”, permitindo-se o seguinte comentário, em artigo publicado no Diário de Notícias, em 2010: "Não há autarquias a mais em Portugal – em termos relativos, até temos o menor número de municípios da EU. O decreto de 11 de Julho de 1882 criou 785 municípios e 4086 juntas de paróquia (hoje são 4260 freguesias). Em 1836, Passos Manuel extingue 751 concelhos – passaram a ser 351 (hoje são 308 municípios). O número de municípios e freguesias tem-se mantido com uma constância impressionante. / Mas há um episódio que convirá relembrar aos governantes de hoje: a revolta da Janeirinha. Em 26 de Junho de 1867, foi publicada a Lei da Administração Civil que tentou extinguir 104 concelhos. No dia 1 de Janeiro de 1868 deu-se uma enorme manifestação espontânea de protesto no Porto (é daqui que vem o nome do matutino portuense) que alastrou para Braga, Coimbra e Lisboa. / O governo caiu e foi revogado o decreto da reforma administrativa. / Talvez fosse bom que este governo à beira do fim passasse uma vista de olhos pela história…"» (pp. 137-138). Recado dado, cambalhotas dadas na tão propalada "ética republicana". Fiquem bem!"

Presidente assina documento enquanto cidadãos pro

Como comentário ao seu texto escrevi o seguinte:

A recente decisão do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, de vetar a reposição das 302 freguesias extintas na famigerada "reforma Relvas" de 2013, revela mais uma vez os vícios de uma República onde os interesses políticos imediatos e as jogadas estratégicas partidárias se sobrepõem ao interesse nacional. O Presidente justifica o veto com a proximidade das eleições autárquicas e uma suposta falta de transparência. No entanto, a real falta de transparência reside na forma como, desde 2013, os sucessivos governos republicanos se esquivaram a corrigir uma reforma profundamente injusta e prejudicial para as populações locais.

Porfirio Silva, com razão, chamas a atenção para o contexto histórico e político desta questão. O Memorando da Troika foi taxativo na exigência de uma reorganização da administração local, mas o governo de então optou por cortar a direito, sacrificando as freguesias e poupando os municípios. Porquê? Porque as freguesias são a estrutura política mais próxima do povo, aquela que menos margem dá para os jogos de poder e para as redes de influência partidárias. Não é por acaso que os municípios foram deixados intocados – são máquinas mais poderosas, com maior capacidade de influência política e económica, e, portanto, intocáveis pelos interesses que realmente comandam os destinos do país.

Este episódio só vem confirmar o que há muito se sabe: a República Portuguesa, que tanto se vangloria de valores democráticos e da chamada "ética republicana", não hesita em atropelar esses mesmos princípios quando lhe convém. Ética só há uma – não é republicana nem monárquica. É ética, ponto. Não há duas varas para medir o que é justo ou não, dependendo de conveniências políticas ou de calculismos eleitorais. A verdade é que esta "ética republicana" tantas vezes apregoada não passa de um conceito elástico, moldado ao sabor dos interesses de quem ocupa a cadeira do poder.

E não nos esqueçamos da hipocrisia daqueles que defenderam esta reforma em 2013, mas que antes dela, quando lhes convinha, diziam o contrário. O trecho citado no livro "Baliza Trágica de um Naufrágio" denuncia bem essa contradição: enquanto antes havia quem afirmasse que "não há autarquias a mais em Portugal", depois, num volte-face conveniente, passaram a defender a suposta necessidade de reduzir o número de freguesias. Cambalhotas políticas como essa são o verdadeiro espelho da "ética republicana" – uma ética de conveniência, onde os princípios são descartáveis e onde a coerência é sacrificada no altar dos interesses partidários.

Marcelo Rebelo de Sousa, que tantas vezes se apresenta como o defensor do equilíbrio e do respeito pelas instituições democráticas, neste caso preferiu alinhar-se com essa visão oportunista e centralizadora, em detrimento da verdadeira democracia local. O argumento de que a reposição das freguesias prejudicaria as autárquicas é de um absurdo total: se há injustiças, estas devem ser corrigidas o mais depressa possível, independentemente do calendário eleitoral. Adiar uma correção justa apenas para manter uma suposta estabilidade artificial não é mais do que perpetuar a injustiça.

O municipalismo é um dos pilares fundamentais de uma governação realmente democrática e eficaz. Quem conhece a história de Portugal sabe que foi na autonomia dos municípios que sempre residiu a verdadeira força da governação local, muito antes da imposição do modelo centralizador republicano. A destruição arbitrária de centenas de freguesias em 2013 foi um golpe contra essa autonomia e um atentado contra as populações locais, que perderam proximidade com os seus órgãos de poder e, consequentemente, perderam voz. A reposição das freguesias não é uma questão de oportunismo político – é uma questão de justiça.

A República tem um longo histórico de decisões administrativas que ignoram o país real e servem apenas os interesses dos partidos que se revezam no poder. Esta é apenas mais uma prova de que, para os republicanos, a "ética" e a "transparência" são meras ferramentas de retórica, utilizadas apenas quando lhes são convenientes. Se o Presidente da República tivesse real preocupação com a justiça e a equidade, teria promulgado a reposição das freguesias sem hesitação.

Ficamos assim, mais uma vez, reféns das lógicas de poder centralista e de um sistema que privilegia os cálculos políticos em detrimento da democracia local. A verdadeira ética – que não é republicana nem monárquica, mas apenas ética – exige que se corrijam os erros cometidos contra as populações. A decisão de Marcelo Rebelo de Sousa vai precisamente na direção oposta, perpectuando uma injustiça que já dura há demasiado tempo.

A falsa isenção de Marques Mendes e a verdadeira alternativa Monárquica

José Aníbal Marinho Gomes, 07.02.25

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Luís Marques Mendes anunciou ontem, na apresentação da sua candidatura a Belém, a sua desfiliação do Partido Social Democrata (PSD), numa tentativa de se apresentar como um candidato isento e independente. No entanto, esta alegação de isenção é altamente questionável, uma vez que as suas ligações ao partido permanecem evidentes.

Ainda em Outubro de 2024, Marques Mendes marcou presença no Congresso do PSD, elogiando o actual líder, Luís Montenegro, e afirmando razões “afectivas e políticas” para a sua participação. Mais recentemente, em Janeiro de 2025, o secretário-geral do PSD, Hugo Soares, confirmou que o partido veria com bons olhos uma candidatura de Marques Mendes, chegando a referi-lo como “um extraordinário candidato”. Ora, entregar um cartão de militante não apaga anos de envolvimento partidário nem garante verdadeira imparcialidade.

Como bem disse Ângelo Correia, também destacado militante do PSD, os portugueses estão “cansados” dos candidatos partidários e procuram uma figura que realmente esteja acima das divisões políticas, algo que Marques Mendes não pode verdadeiramente oferecer. Neste contexto, é importante refletir sobre a solução mais eficaz para garantir uma liderança isenta e unificadora.

Numa monarquia constitucional, o chefe de Estado não é um político de carreira nem está sujeito a jogos partidários. Desde o nascimento, o monarca é preparado para servir a nação como um elemento neutro e estabilizador, sendo um verdadeiro representante de todos os cidadãos, independentemente das suas convicções políticas.

A actual insatisfação popular com os partidos políticos e a busca por lideranças autênticas mostram que a monarquia constitucional continua a ser uma alternativa válida para garantir estabilidade, isenção e continuidade na chefia do Estado. Se realmente queremos um país menos dividido e uma liderança verdadeiramente imparcial, talvez esteja na hora de reconsiderar o papel da monarquia em Portugal.

 

* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico de 1990.

 

 

A Ilusão Republicana e a Fraqueza dos Candidatos

José Aníbal Marinho Gomes, 05.02.25

As declarações de Pacheco Pereira no programa “O Princípio da Incerteza”, evidenciam a fragilidade dos actuais candidatos presidenciais, refletindo a pobreza argumentativa que domina o discurso republicano contemporâneo. Pacheco Pereira, como habitual, constrói uma narrativa que oscila entre o alarmismo e a superficialidade, sem jamais enfrentar a verdadeira questão: a crise estrutural da república e a farsa da sua suposta legitimidade democrática.

Primeiro, a ideia de que a força de um candidato presidencial, como o Almirante Gouveia e Melo, reside em "pôr o país na ordem" é ridicularizada com insinuações sobre o populismo. No entanto, não se questiona porque razão os políticos necessitam de ser "postos na ordem". A resposta é evidente: a república gerou uma classe política profissional, alheia ao interesse nacional, que se perpectua no poder através de jogos partidários. O sistema republicano falhou em representar os cidadãos e agora teme qualquer figura que não pertença ao seu círculo fechado.

Segundo, a discussão sobre potenciais candidatos roça o absurdo. Leonor Beleza, apesar da sua competência e experiência, não se dispõe a entrar neste teatro político, e compreende-se. Já a inclusão de Cristina Ferreira na conversa revela a decadência da república. Em vez de um chefe de Estado com formação e um sentido de dever para com o país, a república oferece-nos um casting para um papel populista, onde a notoriedade é mais importante do que a competência.

Ainda mais revelador é o reconhecimento da fraqueza dos nomes que efectivamente circulam como candidatos. Marques Mendes, antigo líder do PSD, nunca demonstrou a envergadura política necessária para ocupar o cargo, sendo mais conhecido pelos seus comentários televisivos do que por uma visão de Estado. Já António Vitorino, veterano socialista, carrega consigo o peso do carreirismo partidário, sendo mais um exemplo da classe política que se recicla indefinidamente sem qualquer renovação substancial. A própria ausência de nomes fortes revela o esgotamento do regime republicano, incapaz de apresentar lideranças genuinamente mobilizadoras.

Esta constatação leva-nos a uma questão ainda mais profunda: será o problema apenas a qualidade dos candidatos ou o próprio modelo que os produz? A própria incerteza em torno dos candidatos evidencia o vazio de liderança no sistema republicano. Nomes como Marques Mendes e António Vitorino são mencionados sem entusiasmo, como opções por falta de alternativas viáveis, e não por um genuíno apoio popular. Trata-se de figuras recicladas do sistema, cuja presença na política é ditada mais pela conveniência partidária do que por qualquer verdadeira vocação para a liderança nacional.

Mais do que a fraqueza dos candidatos, o problema reside no próprio modelo republicano, que se tornou um circuito fechado de favores e clientelismo. As eleições presidenciais, em vez de oferecerem uma escolha real aos portugueses, resumem-se a um desfile de nomes previsíveis, onde a disputa não se dá entre visões diferentes para o país, mas sim entre variações da mesma elite político-mediática. A república transformou a política num espectáculo televisivo, onde os candidatos não precisam de ideias ou de serviço público comprovado—apenas de reconhecimento mediático e apoios partidários nos bastidores.

Imagem final.pngEsta imagem compara uma república em declínio e caótica (esq.) com uma Monarquia estável (dir.)

A solidez da monarquia surge, então, como resposta a este caos. Ao contrário de um presidente, que é invariavelmente um produto partidário, um rei não deve favores a financiadores de campanha nem precisa de negociar cargos e favores em troca de votos. O monarca é um chefe de Estado isento, que representa a nação na sua totalidade, e não uma facção política.

A república vendeu-nos a ideia de que o sufrágio universal assegura a representação popular, mas o que vemos é uma repetição do mesmo ciclo vicioso, onde apenas os nomes mudam e os problemas se mantêm. A monarquia, ao estabelecer uma continuidade histórica e ao afastar-se da lógica eleitoralista, proporciona estabilidade, identidade e representação verdadeira.

Portugal não precisa de mais um presidente fraco, refém de compromissos políticos e incapaz de enfrentar os desafios estruturais do país. Precisa de uma liderança que transcenda os ciclos eleitorais e que represente verdadeiramente a identidade e os valores nacionais. Se o debate presidencial se reduz à escolha entre comentadores, ex-governantes reciclados e figuras mediáticas, talvez a questão que devamos colocar não seja “quem será o próximo presidente?”, mas sim “porque continuamos a insistir num modelo falhado?”.

Portanto, enquanto os comentadores republicanos debatem qual será o próximo rosto de um regime falhado, a verdadeira questão é: até quando Portugal se submeterá a esta ilusão republicana? Talvez seja tempo de considerar uma alternativa que já provou a sua eficiência ao longo da nossa história: A Monarquia.

* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico de 1990.

 

 

Tarquínio Vieira: Um Tributo no Coração do Teatro de Ponte de Lima

José Aníbal Marinho Gomes, 25.01.25

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A Câmara Municipal de Ponte de Lima poderia honrar de forma mais completa o legado de Tarquínio Vieira ao colocar no Teatro Municipal uma placa ou lápide em sua homenagem. Natural de Ponte de Lima, onde nasceu a 28 de Novembro de 1894, Tarquínio destacou-se como um dos mais talentosos actores do teatro e cinema portugueses. Fez parte da prestigiada Companhia Amélia Rey Colaço/Robles Monteiro e contracenou com nomes icónicos como Maria Matos, Amélia Rey Colaço, Palmira Bastos, Ester Leão, Ilda Stichini e Eunice Muñoz, levando o seu talento aos palcos de Portugal e do Brasil.

Foi precisamente enquanto o meu avô me contava a história da famosa serenata dedicada a Palmira Bastos, em Ponte de Lima – a belíssima Serenata de Ciríaco, executada por um grupo onde se incluía o meu avô Aníbal Marinho –, que me falou pela primeira vez de Tarquínio Vieira. Recordo-me de me ter dito que este actor, natural da nossa terra, tinha contracenado com a insigne actriz, e, com admiração, referir mais ou menos por estas palavras, que "Tarquínio tinha uma capacidade única de prender o público. Não era apenas um intérprete; era alguém que transformava as palavras em emoção pura e fazia cada cena vibrar com intensidade e vida". Este testemunho do meu avô reforça a grandeza deste actor limiano, cuja memória merece ser perpectuada ad eternum.

Mesmo na actualidade, o actor Tarquínio Vieira permanece uma referência, sendo lembrado por Ruy de Carvalho, uma das maiores figuras do teatro português, como uma das suas primeiras memórias cénicas e uma inspiração para a sua entrada no mundo teatral. Embora o nome de Tarquínio Vieira já faça parte da toponímia de Ponte de Lima, uma homenagem no Teatro Municipal seria um tributo ainda mais significativo a este distinto limiano. A colocação de uma placa ou lápide reconheceria o seu impacto na história cultural local e nacional, celebrando a sua brilhante carreira e a ligação afectiva que manteve com a sua terra. Além disso, tal homenagem serviria para inspirar futuras gerações de artistas e perpetuar a memória de o maior talento de Ponte de Lima nos palcos portugueses.

O seu percurso também incluiu várias representações no Teatro Diogo Bernardes, em Ponte de Lima, o que reforça ainda mais a ligação do actor à sua terra natal. Em 1926, subiu ao palco ao lado da célebre atriz Palmira Bastos, nas peças “O Rosário” e “Vida e Doçura”. Dois anos depois, em 1928, regressou com as peças “A Severa”, “Amor de Perdição” e “A Noite de Casino”.

Em 1930, voltou a actuar no Teatro Diogo Bernardes, onde apresentou “O Processo de Mary Dugan” e “A Ameaça”. Além disso, anos mais tarde, o mesmo teatro exibiu, em duas sessões, o filme Bocage, no qual Tarquínio Vieira teve uma participação marcante.

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Embora o nome de Tarquínio Vieira já faça parte da toponímia de Ponte de Lima, uma homenagem no Teatro Municipal seria um tributo ainda mais significativo a este distinto limiano. A colocação de uma placa ou lápide reconheceria o seu impacto na história cultural local e nacional, celebrando a sua brilhante carreira e a ligação afectiva que manteve com a sua terra. Além disso, tal homenagem serviria para inspirar futuras gerações de artistas e perpetuar a memória do maior talento de Ponte de Lima nos palcos portugueses.

Movimento Monárquico: “Entre a Nostalgia e a Necessidade de uma Acção Política Concreta"

José Aníbal Marinho Gomes, 21.01.25

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O movimento monárquico, enquanto proposta de alternativa para Portugal, enfrenta desafios que derivam em grande parte de uma incompreensão crítica do seu verdadeiro papel na sociedade contemporânea. Entre os seus defensores, surge frequentemente a ideia de que o movimento não é nem deve ser um partido político, o que é correcto, mas tal afirmação não pode ser um álibi para evitar a acção política. Afinal, uma causa que visa um sistema político alternativo não pode deixar de ter uma dimensão política, por mais que se queira vestir de abstração ou distanciamento.

Este paradoxo leva-nos à primeira grande fragilidade do discurso de alguns monárquicos: a recusa em definir o que significa essa actuação política. Não basta afastar-se dos moldes partidários tradicionais; é necessário explicar como se pretende influenciar a sociedade de forma concreta e prática. Sem esta clareza, o movimento monárquico cai numa indefinição que o condena a um papel irrelevante no cenário político nacional.

O Movimento Monárquico tem de ter intervenção política, designadamente sobre temas transversais à sociedade portuguesa. Não pode limitar-se apenas a jantares convívios, frequentemente realizados em espaços fechados e elitistas como clubes privados, inacessíveis ao grande público. Deve sair desse isolamento e realizar iniciativas públicas abertas a todos os cidadãos, promovendo um verdadeiro diálogo com a sociedade portuguesa e tornando a causa monárquica mais visível, inclusiva e mobilizadora.

Não há qualquer contradição entre defender a monarquia e abordar problemas concretos que afectam o quotidiano dos portugueses. Se, por exemplo, Portugal enfrenta um verão devastador com centenas de incêndios florestais, as estruturas monárquicas não podem manter-se em silêncio. Ter uma posição sobre a prevenção e o ordenamento florestal — temas essenciais para o desenvolvimento sustentável do país — não significa tornar-se um partido político. Significa, isso sim, demonstrar relevância e compromisso com o bem comum.

O mesmo se aplica às alterações climáticas, um desafio que tem impacto directo na vida dos portugueses, desde os agricultores que enfrentam seca extrema até às zonas costeiras ameaçadas pela erosão. O Movimento deve intervir com propostas sérias e estruturadas, que mostrem como uma monarquia moderna poderia liderar de forma responsável na protecção ambiental, no uso eficiente dos recursos e na promoção de energias renováveis.

Outro exemplo concreto é a agricultura e o mundo rural, que sofrem com o abandono e a falta de políticas consistentes. O movimento monárquico pode e deve ter uma palavra a dizer sobre o apoio à agricultura familiar, a revitalização das aldeias e a gestão equilibrada do território. Estas questões têm impacto directo na coesão nacional e são áreas onde a monarquia poderia apresentar soluções pragmáticas e inspirar confiança nos cidadãos.

É importante reconhecer que o movimento monárquico perdeu, em grande parte, a cultura de militância e intervenção política que marcaram outras fases da sua história. Nos anos seguintes a 1974, houve experiências de militância monárquica organizada, como a Juventude Monárquica Revolucionária (primeira designação da Juventude do PPM), ou o Partido Popular Monárquico (PPM) ── nos quais com muito orgulho militei. Embora o contexto actual seja diferente, há lições valiosas a retirar desse período, nomeadamente no que diz respeito à capacidade de intervenção e mobilização.

Além disso, é relevante destacar que muitos monárquicos, ao longo dos anos, também militaram e militam em partidos políticos, como o CDS, PSD, PS e MPT-Partido da Terra. Esta experiência de intervenção e combate político em diferentes contextos partidários proporcionou-lhes uma bagagem de conhecimento e prática que, em muitos casos, falta a grande parte dos actuais dirigentes monárquicos. A vivência em partidos com estruturas e dinâmicas de mobilização mais amplas e a participação activa no debate político nacional conferem uma perspectiva estratégica que é muitas vezes negligenciada no movimento monárquico actual, mas que poderia ser decisiva para a sua renovação e fortalecimento.

Muitos monárquicos abandonaram a ideia de um partido monárquico, e bem, porque, assim como eu, entenderam que um Movimento Monárquico é mais abrangente do que a lógica partidária. No entanto, os anos de militância num partido monárquico trouxeram a alguns de nós experiência de organização, comunicação e mobilização que hoje fazem falta à maior parte dos responsáveis monárquicos. É esta experiência que urge recuperar e adaptar às exigências do presente. O movimento monárquico precisa de dirigentes e militantes com capacidade para intervir publicamente, para organizar eventos mobilizadores e para comunicar eficazmente as suas propostas.

Além disso, há uma questão essencial que não pode ser ignorada: como é que o movimento monárquico pode divulgar a figura do Duque de Bragança e da Família Real Portuguesa se continuar fechado em si mesmo? Se as actividades se limitam a eventos restritos e sem projecção pública, como é que se espera que a sociedade portuguesa conheça e valorize a Casa Real Portuguesa? A resposta é evidente: é necessário abrir o movimento ao exterior. Organizar eventos em praças públicas, promover debates abertos, campanhas de sensibilização e iniciativas de carácter social são formas eficazes de aproximar a monarquia das pessoas. A figura do Duque de Bragança deve ser associada a estas acções, posicionando-o como um líder próximo, acessível e preocupado com os problemas reais do país.

A segunda debilidade de alguns monárquicos é a recorrência de um discurso excessivamente defensivo. Alega-se que os resultados obtidos não são satisfatórios por vários factores, com uma nota de resignação face à falta de mobilização popular. Este tipo de justificação é, em si mesma, um reflexo do problema. É fácil atribuir os insucessos a causas externas ou ao contexto, mas é necessário ir além disso e questionar com seriedade o que está a ser feito — e como poderia ser feito melhor. O movimento monárquico necessita de autocrítica e de um diagnóstico claro dos seus erros: é preciso apontar falhas nos métodos, nos discursos e nas estratégias usadas para atrair os cidadãos e cativar uma base popular consistente.

Outra limitação significativa é a dependência excessiva de uma visão idealizada do passado. O argumento de que a monarquia traria estabilidade e representa uma continuidade histórica carece de sustentação concreta quando transposto para o século XXI. A evocação de “reis que construíram Portugal” ou de figuras emblemáticas não responde às necessidades e desafios do presente. A sociedade moderna pede soluções pragmáticas e uma relação de proximidade com os problemas reais, não apenas uma apologia nostálgica que, por vezes, parece desconectada do presente.

Por fim, a aposta em cenários hipotéticos ou em histórias alternativas, é uma distração perigosa. Embora a ficção histórica tenha o seu valor como exercício cultural ou intelectual, não pode substituir uma proposta séria de intervenção no presente: o que pode e deve ser feito agora. A política, afinal, não se constrói com base em fatalismos ou em cenários alternativos, mas em acções concretas e realistas.

Em conclusão, a causa monárquica tem o potencial para contribuir para o debate político nacional, mas isso só será possível quando ultrapassar as suas ambiguidades e apresentar uma visão clara, pragmática e mobilizadora. A nostalgia e o discurso defensivo não chegam. É necessário olhar para a frente, assumir os desafios da actualidade e apresentar soluções que convençam os portugueses de que a monarquia é, de facto, uma alternativa credível e desejável.

 

* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico de 1990.

A Incoerência do Apoio do PPM a uma Candidatura Presidencial

José Aníbal Marinho Gomes, 27.12.24

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O recente apoio do Partido Popular Monárquico (PPM) à potencial candidatura do Almirante Gouveia e Melo às eleições presidenciais de 2026 suscita um debate profundo sobre a coerência ideológica e a fidelidade aos princípios fundadores do partido. Como antigo filiado do PPM desde 1974, partido em que ocupei diversos cargos a nível nacional, designadamente o de Presidente da Comissão Executiva Nacional e membro da Comissão Política Nacional, sinto-me compelido a expressar a minha discordância com esta decisão inédita na história do partido.

Importa também referir que, em 1997, abandonei e desfiliei-me deste partido, por considerar que, apesar de o PPM ter desmitificado a ideia de Monarquia após o 25 de Abril, não fazia sentido continuar a existir um partido monárquico. Não apenas pelo facto de a monarquia ser suprapartidária, mas também porque a grande maioria dos seus dirigentes históricos abandonou o partido pelos mesmos motivos. No entanto, continuo a acompanhar com interesse o seu percurso.

O PPM, desde a sua fundação em 1974 por Gonçalo Ribeiro Telles, Henrique Barrilaro Ruas e outros destacados monárquicos, tem como objectivo primordial a restauração da monarquia em Portugal. Este princípio norteador distingue o partido no panorama político nacional, conferindo-lhe uma identidade única e uma missão clara. O apoio a uma candidatura presidencial republicana parece, portanto, contradizer a essência do partido, que sempre se posicionou em defesa de um regime monárquico.

O PPM apresentou como justificação para este apoio a integridade pessoal e a capacidade de liderança de Gouveia e Melo, destacando, entre outros, o seu papel durante a pandemia de COVID-19. Independentemente de o Almirante possuir ou não méritos individuais, o argumento de apoiar um candidato com base apenas nas suas qualidades pessoais não se sustenta dentro do contexto de um partido que defende a monarquia. Um partido como o PPM deve preservar os seus princípios acima de tudo, o que implica evitar apoiar candidaturas que reforcem o sistema republicano, independentemente das virtudes de qualquer candidato.

Outro argumento apresentado é a falta de alternativas viáveis que reflitam os valores do PPM. Este ponto demonstra uma falta de visão estratégica, já que a resposta adequada do partido deveria ser trabalhar para promover a discussão sobre a relevância da monarquia parlamentar em Portugal, em vez de se aliar a um sistema que é, em essência, antagónico à sua razão de ser. O apoio a um candidato presidencial é uma aceitação implícita da República como modelo de governação, algo que compromete a mensagem central do partido e aliena os seus apoiantes tradicionais.

Por fim, um outro argumento apresentado, é que esta decisão visa dar visibilidade ao PPM e reforçar a sua relevância no panorama político nacional. Embora seja compreensível que o partido queira ganhar protagonismo, isso não deve ser feito à custa dos seus ideais fundadores. Sacrificar a coerência ideológica em troca de visibilidade política é um erro que compromete irremediavelmente a credibilidade do partido e a sua missão a longo prazo.

Esta decisão inédita no PPM representa uma clara ruptura com a sua tradição de não se envolver diretamente em eleições presidenciais. Tal atitude pode ser vista como uma concessão aos valores republicanos e um abandono dos objectivos originais do partido. Além disso, o apoio a uma candidatura presidencial republicana pode confundir os eleitores e desvirtuar a identidade do partido, levando a questionamentos sobre o seu compromisso com a causa monárquica.

É fundamental que o PPM reavalie esta decisão e volte a concentrar-se na sua missão central: a defesa e promoção da monarquia parlamentar como uma alternativa credível para Portugal. Esta é a melhor forma de honrar a memória dos seus fundadores e de respeitar todos aqueles que, ao longo das décadas, dedicaram o seu tempo e esforço à causa monárquica.

O apoio a Gouveia e Melo, por mais bem-intencionado que seja, é um desvio preocupante do caminho traçado pelo PPM desde a sua criação. O partido deve voltar a ser fiel aos valores que lhe conferem identidade, em vez de procurar relevância através de alianças que enfraquecem a sua posição ideológica.

 

* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico de 1990.

“Entre a Coroa e o Oportunismo: A Essência Perdida"

José Aníbal Marinho Gomes, 14.12.24

 

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Um verdadeiro monárquico distingue-se pela fidelidade a princípios que atravessam gerações: a defesa da tradição, da honra e de uma postura apolítica que eleva os valores da monarquia acima das disputas partidárias. É essa integridade que faz com que aqueles que defendem a realeza não se percam em alianças ou em jogos de poder. Porém, nem todos parecem recordar esta verdade fundamental.

Existem, infelizmente, figuras que se apresentam como defensores da causa monárquica, mas que, em momentos de conveniência, parecem abdicar das suas convicções como quem troca um manto real por um simples casaco de ocasião. Para quem, como eu, acredita na monarquia como um ideal de união e neutralidade, é desconcertante observar atitudes que contradizem este princípio, especialmente quando alguém se envolve em campanhas e alianças que claramente pertencem ao espectro republicano.

E que dizer de quem, por estratégia ou oportunismo, participa em celebrações de datas e movimentos que simbolizam o "triunfo" dos ideais republicanos sobre a monarquia? Uma presença nesses eventos não é apenas uma contradição – é quase uma renúncia ao próprio legado que um monárquico autêntico deveria preservar. A coerência, afinal, é a base da credibilidade.

Não deixa de ser intrigante que entre aqueles que defendem o regime monárquico, alguns se revejam agora no apoio a um "almirante" que aparece retratado como herdeiro do espírito de D. João II – um Rei cuja memória representa força, estratégia e liderança visionária. Contudo, ao invés de honrar a neutralidade e a grandeza do monarca que navegava acima das disputas efémeras, essas figuras parecem aliar-se a projectos que pertencem a um campo onde qualquer monárquico, digno desse nome, deveria manter-se ausente: eleições presidenciais.

O verdadeiro monárquico sabe que a luta por cargos electivos à chefia do estado pertence ao domínio republicano. Não faz campanha por candidatos, não se alia a estratégias eleitorais e, acima de tudo, não participa em disputas que dividem, pois sabe que o papel da monarquia é unir e inspirar. Tomar partido é perder a verdadeira essência.

A questão, então, é a seguinte: será que quem se diz monárquico, mas age de outra forma, está disposto a abdicar de princípios por um jogo de interesses? Ou será que, no fundo, nunca abraçou verdadeiramente a causa? Para muitos, a monarquia é uma coroa invisível, com valores, não um objecto que se coloca e retira conforme a ocasião.

Há algo de irónico naqueles que, outrora associados a símbolos da tradição e da continuidade histórica, se veem agora, lado a lado, com movimentos que celebram rupturas com esse passado. Talvez não seja surpresa que estas figuras acabem por perder o respeito tanto de monárquicos quanto de republicanos. Afinal, como confiar em alguém que troca de lado como quem troca de camisa?

A monarquia, enquanto ideia, merece ser defendida por quem compreende o seu significado profundo. Não é uma bandeira que se agita ao vento das oportunidades, mas sim um compromisso com a história, com a cultura e com os valores que transcendem o imediato. Quem falha em compreender isto, pode vestir a capa da monarquia, mas nunca será mais do que uma figura transitória numa peça que exige convicções firmes.

No final, os verdadeiros monárquicos continuam fiéis, mesmo em tempos de adversidade, porque sabem que é na coerência que reside a força das suas ideias. Quanto aos outros, talvez continuem a dançar entre ideais e interesses, mas sem nunca conquistar o respeito de quem defende a tradição com lealdade inabalável.

Um Chefe de Estado: Símbolo ou Político?

José Aníbal Marinho Gomes, 03.12.24

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Como monárquico, reafirmo que não participo em campanhas presidenciais nem apoio qualquer candidato, dado o meu compromisso com os valores da Instituição Monárquica. Contudo, no dia das eleições presidenciais, sempre me desloquei à minha assembleia de voto para exercer o meu dever de cidadão, abstendo-me.

Defendo que o chefe de Estado deve ser um símbolo apartidário, acima de disputas políticas. Num sistema monárquico, esta figura estaria naturalmente imune às pressões partidárias e ao escrutínio que caracteriza o modelo republicano. Ao contrário do Presidente da República, o Rei não depende de ciclos eleitorais, campanhas políticas ou alianças partidárias, o que lhe permite exercer um papel verdadeiramente unificador e independente, em prol do interesse nacional e não de agendas específicas.

No actual sistema republicano, o Presidente da República frequentemente reflete interesses políticos e partidários, como se torna evidente na cobertura mediática das potenciais candidaturas às próximas presidenciais. Estas dinâmicas enfraquecem a posição do chefe de Estado enquanto símbolo de unidade e estabilidade, transformando-o num actor político que, muitas vezes, divide em vez de unir.

De acordo com as sondagens mais recentes, o Almirante Gouveia e Melo lidera na corrida para as eleições presidenciais, o que ajuda a explicar o aumento das análises sobre o seu perfil. É importante notar que, sendo um militar, Gouveia e Melo é visto por muitos portugueses como um símbolo de unidade e isenção, características que ecoam o papel de um Rei no sistema monárquico, acima dos partidos e das divisões ideológicas. Este apoio pode ser interpretado como um sinal de cansaço dos eleitores em relação à classe política tradicional e aos comentadores políticos, que, ao deixarem as suas funções, raramente se desvinculam das agendas que anteriormente defendiam.

Na SIC, têm surgido análises que sugerem uma preferência velada por Marques Mendes. Comentadores como Maria João Avillez descrevem o almirante Gouveia e Melo como um "candidato incógnito", por não se conhecerem as suas posições políticas. Isso reflete a preferência por figuras com alinhamentos ideológicos claros, levantando a questão: será obrigatório um chefe de Estado ser político? Ou seria mais eficaz ter alguém que simbolize a Nação acima das divisões partidárias, como acontece num sistema monárquico? Além disso, quando Maria João Avillez e outros discutem o perfil de Marques Mendes, elogiam-no não apenas como potencial candidato, mas também como colega comentador da própria SIC. Esta proximidade levanta questões sobre a imparcialidade de algumas análises mediáticas.

Por outro lado, Pedro Passos Coelho tal como Marques Mendes, figuras do PSD, enfrentam desafios semelhantes. Passos Coelho carrega o peso de ser associado às medidas de austeridade implementadas durante a sua liderança, enquanto Marques Mendes precisa combater a percepção de que a sua longa trajetória como comentador mediático compromete sua isenção e capacidade de se desvincular de interesses partidários.

Outro nome em destaque é António José Seguro, que recentemente manifestou abertura para uma candidatura. Apesar de ser uma figura respeitada por muitos e conhecida pela defesa da convergência política, enfrenta desafios relacionados com a memória do embate com António Costa em 2014, que alguns analistas parecem explorar como um factor desestabilizador. Este caso reforça as dinâmicas partidárias e mediáticas que tornam o modelo republicano mais suscetível a divisões, algo que um sistema monárquico naturalmente evitaria.

No campo socialista, além de António José Seguro, Mário Centeno é frequentemente apontado como um potencial candidato presidencial. Centeno traz consigo um histórico sólido como ex-Ministro das Finanças e ex-líder do Eurogrupo, sendo visto como uma figura técnica e competente. Contudo, a associação de Centeno a algumas políticas de austeridade pode ser um entrave para conquistar sectores do eleitorado mais críticos dessas medidas. Além disso, a sua postura técnica, muitas vezes distante, pode dificultar a conexão emocional necessária para uma candidatura presidencial eficaz.

Paulo Portas também surge como um nome que poderia atrair apoio conservador e centrista. No entanto, a sua ligação histórica a decisões controversas enquanto líder do CDS e vice-primeiro-ministro em tempos de austeridade, além de anos afastado da política activa, levanta dúvidas sobre a viabilidade de sua candidatura. A sua actuação como comentador político, por vezes marcada por análises críticas, também pode ser interpretada como falta de propostas concretas, prejudicando sua credibilidade enquanto potencial Chefe de Estado.

Se algum destes candidatos avançar, é legítimo perguntar: como pode um candidato de um qualquer partido, demonstrar verdadeira isenção quando confrontado com decisões que possam prejudicar o mesmo partido que o apoia?

Estas observações complementam a ideia de que muitos portugueses estão exaustos de figuras públicas que, ao deixarem funções políticas ou mediáticas, mantêm práticas que reforçam a desconexão com as reais prioridades do povo. Gestos performativos, como “beijar barrigas de grávidas”, e a retórica excessivamente polarizadora são frequentemente apontados como práticas que alienam os cidadãos e ampliam a desconfiança no sistema político.

No panorama geral, os potenciais candidatos enfrentam a difícil tarefa de provar que são capazes de transcender interesses partidários e apresentar uma visão de liderança verdadeiramente unificadora, incompatível com o sistema republicano. Este é um atributo que os portugueses cada vez mais exigem num Chefe de Estado. A popularidade crescente de figuras como Gouveia e Melo, que, para alguns eleitores, simboliza a estabilidade e imparcialidade, reflete o cansaço do eleitorado com os padrões tradicionais e partidários da política portuguesa.

Assim, reafirmo que, mais do que nunca, Portugal necessita de um chefe de Estado que seja um símbolo de unidade nacional, imune às pressões partidárias e políticas. Os portugueses começam a demonstrar que estão fartos de figuras políticas moldadas por interesses de partidos e de comentadores com agendas bem definidas. Talvez seja esta a razão pela qual Gouveia e Melo, com a sua carreira militar e distanciamento das disputas político-partidárias, surja como um dos favoritos nas sondagens: porque muitos veem nele um símbolo de imparcialidade e estabilidade, qualidades indispensáveis num verdadeiro Chefe de Estado, só possíveis num regime monárquico.

Num sistema monárquico, estas qualidades seriam inatas à figura do Rei, que, acima das disputas eleitorais, seria um garante da continuidade, imparcialidade e unidade nacional. A Monarquia representa não apenas estabilidade institucional, mas também uma ligação permanente aos valores históricos, culturais e morais de uma Nação.

Enquanto na república o chefe de Estado é uma figura transitória, frequentemente comprometida por alianças e interesses políticos, na monarquia o Rei é uma presença constante e inquestionável, um símbolo perene de identidade nacional que inspira confiança e respeito em tempos de crise e de prosperidade.

Além disso, a Monarquia oferece uma alternativa a ciclos políticos exaustivos e polarizadores, promovendo um foco mais profundo na continuidade e no bem comum. Num regime republicano, a liderança é frequentemente instável e vulnerável a flutuações partidárias; já na Monarquia, a neutralidade política e a longevidade no papel de chefe de Estado permitem uma liderança mais coesa e previsível. Um Rei, como símbolo da Nação, transcende divisões ideológicas e serve como um ponto de união que liga o passado, o presente e o futuro de Portugal.