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Risco Contínuo

Estrada dos bravos, blog dos livres

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"Impact Factor War": Repensar a Ciência

Paula Lobato de Faria, 23.05.13

 

http://www.publico.pt/ciencia/noticia/especialistas-pedem-o-fim-da-utilizacao-abusiva-de-um-celebre-indice-de-impacto-cientifico-1594967

 

Este artigo dá nota do início daquilo que se poderá designar como a "Impact factor war", declarada no passado dia 16 como muito bem documenta o Science Insider ( http://news.sciencemag.org/scienceinsider/2013/05/call-to-abandon-journal-impact-f.html ). Mais de 150 prestigiados cientistas e 75 grupos científicos de todo o mundo insurgiram-se contra o uso do sistema do "factor de impacto" (uma medida que reflecte e mede a quantidade de vezes que uma revista científica é citada), para avaliar o desempenho de cientistas e académicos. Alegam essencialmente que os investigadores devem ser avaliados pelos resultados e conteúdo do seu trabalho e não pelo factor de impacto do jornal ou revista onde são publicados. O factor de impacto das revistas científicas é calculado pela empresa Thomson Reuters, tendo sido desenvolvido em 1950 como critério para os bibliotecários escolherem as revistas a encomendar.

Acontece, porém, que hoje este sistema se transformou na medida única para avaliar o desempenho de cientistas e académicos em todo o mundo o que começa agora a ser contestado, sobretudo pelos países de economias emergentes, onde os cientistas para serem reconhecidos têm que publicar em revistas maioritariamente anglo-saxónicas, tomadas por cientistas de língua inglesa, o que se tem revelado um enviesamento à publicação e uma injustiça.
Outro dos grandes problemas que o sistema do "factor de impacto" tem gerado é a subalternização das ciências sociais (pejorativamente designadas por "soft sciences") versus ciências básicas (ou "naturais"), dado que as revistas científicas de alto factor de impacto publicam sobretudo artigos nas áreas das "hard sciences", as quais têm, também, paralelamente, uma muito mais longa tradição na publicação de "alto impacto" e em inglês. Aquele sistema de avaliação revela-se assim muito injusto para áreas de estudo fundamentais para a compreensão do funcionamento das sociedades, tais como a saúde pública, a sociologia, a antropologia, a economia, o direito, a história, e a psicologia, entre outras.

E, eis que finalmente a comunidade científica mundial denuncia que há algo de podre no Reino da Ciência, declarando guerra ao sistema de avaliação baseado no factor de impacto. Este facto tem, quanto a nós, uma dupla possibilidade de leitura.

Primeiro, há que não ser ingénuo e reconhecer a enorme dificuldade em desenhar um sistema de avaliação científica isento, justo e eficaz, pelo que este será sempre um objectivo muito complexo e difícil de atingir. Conflitos de interesses, lobbying e má-conduta científica espreitam a cada esquina num mundo académico altamente competitivo. Por outro lado, parece-nos que o sentido desta guerra agora declarada reflecte, sobretudo, o fim da hegemonia anglo-saxónica na produção de ciência, com tudo o que esta realidade significa na geopolítica científica.

 

No entanto, apesar de o caminho ser tortuoso e duro, esta nova "impact factor war", como tentativa para acabar com os enviesamentos na ciência e dar valor a todos os que merecem aí ser reconhecidos, representa uma saudável "pedrada no charco" no endogâmico mundo da publicação científica. Há que seguir os próximos capítulos com atenção e contribuir para uma discussão que promete aquecer nos próximos tempos.