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Risco Contínuo

Estrada dos bravos, blog dos livres

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Sobre o Referendo em Espanha

José Aníbal Marinho Gomes, 12.06.14

Hoje a imprensa diária brindou-nos com dois artigos de opinião sobre o republicanismo espanhol. Um no jornal PúblicoUma história de reis e príncipes” da autoria do historiador Manuel Loff, com um subtítulo tendencioso “Estavam à espera de quê: que os espanhóis assistissem sentados a uma história de reis e príncipes?” e outro da jornalista Ana Sá Lopes, “Ofereçam um referendo a Felipe VI” no jornal i.

O Sr. Prof. Dr. Manuel Loff, possui de facto um grande curriculum vitae, aliás descrito pelo próprio no referido jornal (1)(2), mas, apesar do seu curriculum, tem uma visão primária relativamente à monarquia, e redutora em relação à história contemporânea espanhola. Contudo, não obstante não ser catedrático em história, sei, pela convivência que tenho com muitos espanhóis de vários estratos sociais, por aquilo que leio, e pelo que observo nas constantes deslocações que faço ao país vizinho, que a maioria do povo não quer uma mudança de regime porque isso significaria a desagregação da Espanha. Aliás, a vaga republicana manifestou-se mais intensamente nas regiões com tendências independentistas. Além disso como o povo está descontente com as medidas de austeridade, que tanto lá como cá, atinge sempre os mesmos, é muito natural que se manifeste e que proteste contra tudo o que esteja relacionado com o poder.

A continuação destas políticas neo-liberais, vai fazer com que cada vez mais apareçam novos partidos políticos com ideias extremistas, de direita ou de esquerda, ou levar ao crescimento de formações já existentes. Enquadram-se perfeitamente nesta situação, o Podemos em Espanha (que é uma versão espanhola da alternativa bolivariana) e Frente Nacional em França ou o Syriza na Grécia.

“Monarquia ou República”, foi a pergunta que a maioria dos jornalistas, ávidos em sensacionalismos, colocou logo que se soube da abdicação de D. Juan Carlos I.

Sr. Prof. Dr. Manuel Loff e Dr.ª Ana Sá Lopes, sobre a questão monarquia ou república em Espanha, Belén Rodrigo, jornalista e correspondente do jornal espanhol ABC em Portugal disse ao Jornal Expresso do dia 2 de Junho de 2014 (este mês e não há dois ou três séculos atrás!), que foi na república portuguesa que mais se apercebeu das vantagens da monarquia espanhola, concluindo que: "A figura do Presidente da República não consegue a mesma unidade que um rei. Em Espanha há uma divisão política grande e penso que, de outra forma, não seria possível manter a unidade do país".

No mesmo local, a “insuspeita” Pilar del Rio diz que não faz sentido, falar nesse tipo de referendos. "Fazia mais sentido saber se as políticas da troika se deviam aplicar porque estão a destruir o estado social. A república é um regime mais moderno mas não é perfeito", contrapõe. Pilar defende ainda que, com a renúncia de Juan Carlos, "a monarquia arcaica mostrou ser capaz de renovar-se antes dos partidos políticos que têm apenas 38 anos de vida".

Para a jornalista e tradutora e companheira do Nobel da Literatura, José Saramago: "Filipe é sensível, educado, uma pessoa do nosso tempo. Não impõe o que está na sua cabeça. Tem um projeto e está a trabalhar nele. Faço votos que a sua primeira viagem seja à Catalunha e para falar de federalismo. Federalismo e pluralismo. Porque Espanha é um estado plural, livre, com referendos."

Também o republicano Rogelio Ponce de León, espanhol e professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto refere ao mesmo jornal que a Monarquia continua a ser um factor unificador da Espanha, que corre sérios riscos de se desagregar em virtude do crescimento actividades independentistas das regiões autonómicas, particularmente da Catalunha, País Basco e Galiza.

O Alcaide socialista de Zaragoza e ex-ministro, Juan Alberto Belloch refere no Jornal ABC do dia 6 de Junho de 2014 (este mês e não há dois ou três séculos atrás!) que: «A monarquia parlamentar é o melhor dos modelos possíveis, (...) e que foi a Constituição de 1978, votada por todos os espanhóis, que elegeu o modelo de monarquia parlamentar».

Esquecem-se também Manuel Loff e Ana Sá Lopes que a Segunda República espanhola foi precedida de muito “barulheira” e sem legitimidade popular, apesar de os republicanos terem ganho nas eleições de 1931 algumas das grandes cidades. A II república nunca foi legitimada pelo povo, diga-se referendada. Povo este, que nunca participou no poder, inclusive na elaboração da constituição republicana, ao contrário por exemplo, da actual constituição espanhola, na qual participaram todas as forças políticas, PSOE, Partido Comunista, UCD, etc. e foi referendada por todos os espanhóis, há pouco mais de 30 anos.

Esta república que o Sr. Prof. Loff proclama, para além de proibir as manifestações monárquicas, vedava de igual modo o uso de qualquer símbolo (emblemas, insígnias, etc.) que se pudesse identificar com a monarquia. Importa ainda referir que passados apenas poucos dias após a implantação deste novo regime, vários conventos, colégios e centros católicos são incendiados e assaltados, e surge a lei de Defesa da República, que regula a censura, assistindo-se posteriormente á dissolução da Companhia de Jesus sendo confiscados todos os seus bens. Era pois uma república das liberdades…, mas só para aqueles que desconhecem a história.

Ao invés, a actual constituição espanhola – a monárquica –, permite que qualquer espanhol se manifeste, desde que exerça este direito pacificamente. Aqui está uma grande diferença, Sr. Prof. Loff entre a liberdade de expressão permitida por um regime e por outro.

O mesmo se diga relativamente a Portugal, El-rei D. Carlos foi várias vezes insultado e ridicularizado na imprensa e nada aconteceu aos respectivos autores. Mas com a implantação da república em Portugal veio a censura, era proibido insultar as figuras do regime, que logo tratou de se proteger, legislando sobre a matéria e procedendo inclusive ao encerramento vários jornais. Aqui se vê o conceito de liberdade republicana!

A propósito, por que não levantam V.ªs Ex.ªs a questão do regime em Portugal? Também aqui a república nunca foi legitimada, e como não podia deixar de ser, foi implantada à força e com sangue nas mãos já que dois assassinos a soldo da Carbonária e emboscados, “abateram” a tiro um legítimo Chefe de Estado e seu filho. Se defendem assim tanto a consulta popular, porque não se insurgem contra o artigo 288.º alínea b) da Constituição da República Portuguesa, que blindou a forma de regime? Será que temos o direito de vincular as gerações futuras às nossas leis? Ou esta questão só é valida para Espanha?

Porque ignoram constantemente que em Portugal há um número considerável de cidadãos que defendem a monarquia?  

Mas voltemos de novo ao assunto que me levou a escrever, citando Felipe Gonzalez, figura incontornável da viragem democrática em Espanha, que em declarações à Cadena Ser, no dia 9 de Junho de 2014 (este mês e não há dois ou três séculos atrás!) referiu que os socialistas não são republicanos, sempre foram acidentalistas, rematando que:”…a forma do Estado não é importante para o socialismo democrático, o que é importante é o desenvolvimento das nossas políticas como uma alternativa”.

Filipe Gonzales e o Rei Don Juan Carlos

Para o ex-Primeiro-Ministro espanhol, Felipe González, o legado que deixa o rei ao longo destes quase 40 anos como chefe de Estado, não é só positivo, é muito positivo.

O Rei Juan Carlos I para além de ter estado na base da construção de um estado espanhol moderno e democrático, foi um grande embaixador do seu país, abrindo várias portas para o investimento estrangeiro em Espanha e às empresas espanholas fora do país.

Porque razão vem agora o Sr. Prof. Loff, (mais valia ter ficado em off neste tema) contrariar personalidades como Gonzalez, um dos políticos mais influentes em Espanha na era democrática e a opinião dos espanhóis acima citados, dizer que: “Tem-se procurado impor um relato, muito mais digno da revista Hola do que de qualquer livro de História, de uma transição democrática espanhola livremente decidida por um rei bem-disposto, ajudado por um primeiro-ministro moderno (Suárez), que, depois de anos de fidelidade à ditadura (um como herdeiro do ditador, o outro como chefe do partido único), se decidem, cumplicemente, a desmontá-la e a instaurar a democracia.” E continua: “Mas não foi assim: Juan Carlos e Suárez não tinham escolha. A democratização foi imposta por quem se mobilizava na sociedade espanhola exigindo o fim da ditadura.”?

Don Juan Carlos e Santiago Carrilo
Mas então, se assim foi, porque motivo o republicano, Santiago Carrillo, líder do Partido Comunista Espanhol, e outros republicanos (do PSOE) votaram favoravelmente a Constituição de 1978, onde se estatuiu que Espanha era uma monarquia parlamentar?

Porque todos sabiam - e continuam a ter noção disso - que num Estado perturbado por nacionalismos, o Rei é o garante da unidade nacional e das instituições democráticas. E o Rei teve um papel muito importante ao forçar as forças armadas a aceitarem a democracia e as autonomias regionais, papel que foi também decisivo na contenção do golpe de 23 de Fevereiro de 1981, comandado por Tejero Molina.

Isto de se querer menorizar o papel do Rei na transição para a democracia em Espanha, não lembra a ninguém, e nem mesmo ao diabo, usando a famosa expressão idiomática, excepto a pessoas com “tiques” de republicanismo primário.

Após a subida ao poder de Franco, as instituições republicanas espanholas no exterior, conhecidas como República Espanhola no Exílio, continuaram a reconhecer a vigência da Constituição Republicana até 1977, altura em que se iniciou o processo político da chamada Transição Espanhola, que permitiu a redacção de uma nova Constituição democrática, que vigora actualmente.

A certa altura refere o ilustre professor que Franco só venceria a guerra civil com o apoio de Hitler, Mussolini e Salazar, esquecendo-se de mencionar que as tropas republicanas receberam de igual modo ajuda internacional, proveniente da URSS, como tanques, bombardeiros leves, caças Polikarpov I-15 e Polikarpov I-16 e bombardeiros ligeiros Tupolev SB, e outro tipo de armamento, bem como a ajuda de Brigadas Internacionais composta de militantes de frentes socialistas e comunistas de todo o mundo, etc.

Para que não restem dúvidas sobre aquilo que penso, não apoio a guerra como forma de resolução de conflitos, que devem ser resolvidos pacificamente e com base no diálogo, e nunca através de atitudes beligerantes.

Como não podia deixar de ser, volta de novo à baila, agora pela pena da Dr.ª Ana Sá Lopes, a “festa dos elefantes” e o suposto caso de corrupção do genro do Rei, dizendo que estas duas situações foram fundamentais para a quebra dos índices de popularidade do Rei e da Monarquia.

Embora um erro não se possa desculpar com outro, no nosso país, o actual Presidente da República Prof. Dr. Cavaco e Silva (ressalve-se que na altura ainda não era Chefe de Estado), e a sua filha Patrícia foram ou não accionistas da Sociedade Lusa de Negócios (SLN) detentora do Banco Português de Negócios (BPN) entre 2001 e 2003, tendo adquirido acções a um euro cada, acções estas que foram depois vendidas a um preço individual de 2,4 euros, dando lugar a proveitos que a generalidade dos portugueses não teve acesso? E o seu próprio genro, Luís Montez, não esteve também envolvido em polémicos negócios? E se quisermos recuar ainda mais para trás, até Mário Soares, e recordarmos o que Rui Mateus escreveu em livro, rapidamente retirado do mercado após a polémica que causou em 1996?...

Uma coisa é constatar um facto, outra é por exemplo, retirar importância ao papel de Mário Soares na consolidação da democracia em Portugal. 

 

Don Juan Carlos na Comunicação aos Espanhóis no dia 23 de Fevereiro de 1981

 

D. Juan Carlos a assinara  Constituição democrática

Não se modifique, ao nosso gosto, a História e muito menos a história recente – os acontecimentos que os cidadãos, com apenas 50 anos de idade, se recordam…

Não se pretenda considerar pouco esclarecido um país, que no século XX viu ser instaurada, abruptamente a república, na década de 30 e que, no mesmo século, e no final da década de 70, optou, democraticamente, pela monarquia…   

Santiago Carrillo, Agustín Rodríguez Sahagún, Adolfo Suárez, Don Juan Carlos I, Felipe González e Manuel Fraga, numa recepção do Rei aos líderes políticos após o golpe de Estado.

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(1)     “Historiador, trabalho na Universidade do Porto, de cujo Departamento de História e Estudos Políticos e Internacionais sou professor associado, e sou investigador no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. Dedico-me há mais de 20 anos ao estudo do século XX, especialmente as ditaduras da Era do Fascismo e os processos de construção social da memória da opressão ou das experiências da sua superação. Doutorei-me no Instituto Universitário Europeu (Florença), estudei, trabalho e investigo entre Portugal e Espanha, e colaboro com várias universidades e centros de investigação europeus e americanos – mas ainda não desisti de viver no meu país!”

(2)     Também eu não desisti de viver no meu país, nem os meus três filhos, todos maiores, com idades entre os 22 e os 29 anos de idade e dois deles já licenciados – um pela Universidade de Coimbra e outra pela Universidade do Porto – desistiram de viver em Portugal. E eu também não desisto de lutar por um Portugal mais democrático, mais desenvolvido e, naturalmente, monárquico…